Controle da Secretaria de Saúde de Rio Claro estaria alinhado aos interesses da saúde complementar?

Controlar ou manipular os gestores que coloquem seu nome a disposição para ocupar a função de presidente da Fundação Municipal de Saúde de Rio Claro e assumir concomitantemente a função de secretário municipal de Saúde do município é primordial para a manutenção de uma sequencia de coincidências que envolvem o plano de saúde filantrópico da Santa Casa de Rio Claro.

Essa estratégia foi objeto de denúncia feita ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), em 2009. O processo, que foi arquivado, evidencia indícios que apontam, que no mínimo, algo muito esquisito tem acontecido na relação entre o Fundação Municipal de Saúde, a Santa Casa e um grupo de médicos desde o ano de 2003. Os documentos da reportagem fazem parte dos volumes do processo 08012.005205/2009-09 e podem ser consultados por qualquer cidadão no site do CADE.

A denuncia feita no dia 2 de julho de 2009 pelo então presidente da Casa de Saúde e Maternidade Santa Filomena, Epaminondas Parreira Duarte ao Departamento de Proteção e Defesa Econômica da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça apontava que

A operadora e planos de Saúde Irmandade Santa Casa Misericórdia de Rio Claro, ora denunciada tem atuado de forma incisiva para restringir a livre, atividade profissional de seus prestadores de serviços, em total afronta à Lei-9656/98…

Peça da denúncia ao CADE

As condutas praticadas pela denunciada se evidenciariam em duas vertentes:

(i) cerceamento das atividades de seu corpo clínico, ao proibir o atendimento desses profissionais ao hospital e plano de saúde ora denunciantes e,

(ii) pela remuneração discriminada aos médicos que eventualmente optem atender, por livre escolha, na Casa de Saúde e Maternidade Santa Filomena ou ao Filosánitas Saúde Ltda.

Para obter êxito e registrar crescimento irreal no número de vidas em seu plano, o Convênio da Santa Casa supostamente teria utilizado de uma técnica conhecida como represamento de mão de obra. Em síntese, o médico que aceitasse entrar para o convênio da filantrópica estaria impedido de atender outras operadoras e para que o negócio fosse vantajoso para ele, houve a criação de bonificações e “pressões econômicas e psicológicas por parte da denunciada” aos que se recusassem a aceitar a exclusividade.

De fato, de acordo com a denúncia,

a denunciada ameaçava os médicos que optam pela sua liberdade profissional de demissão de cargos e funções remuneradas que eventualmente possuam junto a ela e ao hospital Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro.

Para auxiliar na institucionalização do método, criou-se a AMESC – Associação de Médicos da Santa Casa de Rio Claro, “associação que tem a ‘legitimidade’ para a tomada de decisão sobre a remuneração discriminada do corpo clínico” criada em 2004 pelo médico Marco Aurélio Mestrinel e outros médicos.

Acontece que em 2009, com os questionamentos advindos via Coordenadora Geral de Assuntos Jurídicos do CADE e a negativa de vários médicos questionados sobre a existência ou não do “represamento da mão de obra” médica em Rio Claro, a manutenção do status quo do mecanismo teria passado a procurar novas alternativas para evitar a produção de provas contra si.

Quando o assunto chegou nas mãos do então provedor da Santa Casa, as acusações foram negadas, mas passou se a usar uma outra estratégia.

Passou-se, então, a eliminar do escopo de prestadores de serviços os supostos envolvidos na denúncia como é o caso da Clinica de Ginecologia Olivia Rogenski, conforme documento abaixo:

Enquanto as diligências do CADE prosseguiam, e os médicos que pediram descredenciamento dos planos concorrentes iam sendo consultados, a supracitada clínica acabou confirmando a prática o que colocaria todo o modus operandis da Santa Casa e AMESC em cheque:

i) a Senhora tem conhecimento de que a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro, em qualquer tempo, impede médicos que prestem serviços a ela de prestarem serviços a outras instituições? Em caso afirmativo, a da Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro utiliza algum instrumento coercitivo para tal imposição? Favor encaminhar histórico detalhado dos fatos, assim como eventuais documentos que comprovem a conduta da Santa Casa;

ii) a Senhora tem conhecimento se a Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro fixa honorários diferenciados para médicos que atendam com exclusividade a ela e para médicos que atendam a outras instituições? Em caso afirmativo, favor encaminhar histórico dos fatos assim como a tabela de honorários utilizada pela da Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro;

iii) a Senhora tem conhecimento se algum médico já se descredenciou de concorrentes da Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro em vista orientação/ coerção desta quando da fixação de tabela de honorários diferenciados? Em caso afirmativo, favor informar nome e endereço dos referidos profissionais;

iv) na denúncia apresentada a esta Secretaria pela Casa de Saúde e maternidade Santa Filomena S.A contra a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro, foram apresentados extratos de remunerações por serviços prestados por Vossa Senhoria junto a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro. A denúncia relata que teria ocorrido discriminação de honorários em razão de Vossa Senhoria não prestar serviços à Santa Casa de Misericórdia em caráter exclusivo. A Senhora confirma as informações da denúncia quanto ao pagamento discriminado de honorários a médicos exclusivos e não exclusivos pela Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro? Em caso positivo, encaminhar histórico completo dos fatos e documentos que comprovem tal conduta.

Em resposta ao Ofício 2278, a médica da clínica ginecológica revelou os acordos espúrios da AMESC para a redução de honorários aos médicos não exclusivos, além de redução de complemento e o número cada vez maior de descredenciados por não acatarem o suposto conluio.

A ginecologista ainda revelou a não renovação do contrato e sua busca pela justiça comum para barrar as pressões econômicas realizadas pela AMESC e pela operadora do Plano da Santa Casa:

Além da redução de honorários, meu contrato com a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro NÃO FOI RENOVADO em virtude das denúncias pela Casa de Saúde e Maternidade Santa Filomena SIA ter se utilizado dos meus extratos para comprovar as
irregularidades praticadas pela denunciada; continuo atendendo o Plano de Saúde da Irmandade da Santa Casa por força de Liminar concedida pela Justiça (31. Vara Civil de Rio Claro – Processo 2515/2009 liminar e 300/2010 Ação Principal)

Na peça que resultou na limitar supracitada autora, chama a atenção a figura de Marco Aurélio Mestrinel que passou a operacionalizar a “sequência de coincidências” desde a criação da AMESC, “na ocasião de uma cirurgia ao sair do centro cirúrgico da Ré, ao se desparamentar, escutou do presidente da AMESC, Dr. Marco Aurélio Mestrinel que,

agora será o momento de saber de que lado os médicos estão (referindo-se a batalha comercial que trava com seu concorrente), e a consequente escolha que os médicos referenciados devem fazer

Ao ter a bonificação e os descontos fiscalizados pelo CADE e como receio de punição, o operador “das coincidências” passou a encontrar na Fundação Municipal de Saúde uma forma de institucionalizar a exclusividade e retaliações.

De fato, no dia 20 de abril de 2010, o presidente da AMESC, Marco Aurélio Mestrinel é alavancado a posição de destaque na Saúde Pública de Rio Claro no governo Du Altimari (MDB) durante as diligências do CADE e após um sucessão de acusações (que até hoje não ficaram comprovadas) contra a gestão da então secretária Ivete Cipolla durante uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) instaurada pelo legislativo, conforme noticiou o Jornal Cidade.

Com as evidências claras, não restou ao CADE instaurar procedimento, ou seja, receber a denuncia e julgá-la, fato que aconteceu em 2011, quando o Coordenador-Geral de Assuntos Jurídico sugeriu abertura de processo administrativo contra a AMESC e a Santa Casa, o que foi acatado pelo secretário de Direito Econômico conforme publicação do Diário Oficial da União:

Durante o período que ocupou a cadeira de secretário, Mestrinel foi o responsável pelo aprofundamento da situação critica das contas da Fundação sendo responsável pela rejeição das contas da autarquia fundacional nos anos de 2010, 2011, e 2012, processos 372/026/11 (transitado em julgado em 19/09/2016); 1058/026/10 (transitado em julgado em 21/03/2019) e 2920/026/12 transitado em julgado em 03/10/2018).

Em 2013, o Ministério Público passou a apurar o pagamento de vultuosas cifras aos médicos plantonistas que agiam na porta de entrada da Santa Casa (mantida com recursos municipais) e que entre julho de 2012 e junho de 2013, teriam recebido salários acima dos R$ 100 mil por mês com o pagamento de horas extras.

Além das vultuosas “bonificações, durante a gestão de Mestrinel, manteve além de repasse fundo a fundo (aprox. R$ 17 milhões anuais), subvenções que perduraram até 2017 (R$ 3 milhões anuais), e o custeio do chamado “corredor da morte” (custo estimado em de R$ 1,2 mi mensais) para auxiliar nas finanças da Santa Casa.

Tal medida teria asfixiado o Sistema Público cujo único serviço local hospitalar contratado para o SUS que passou a concorrer indiretamente com os novos clientes do plano de saúde da Santa Casa, além disso, acredita-se que parte dos médicos que se sujeitaram a atender somente um plano de Saúde (o da Santa Casa) e por coincidência alguns deles foram beneficiados com os chamados “super salários” para justificar a exclusividade.

Ou seja, passaram a trabalhar na porta de entrada da própria Santa Casa, o famigerado PSMI.

A AMESC durante a defesa no caso da investigação do CADE chegou a admitir que o SUS era um “plus” ao médicos conforme documento abaixo:

E mesmo no papel de secretário municipal com deve de tutelar o interesse público, Mestrinel continuou a ser presidente da AMESC e defender os interesses dos médicos conveniados conforme prova o documento abaixo:

O desfecho da investigação do CADE também é marcada por novas coincidências, em 2013, o processo ia avançando com notas técnicas que apontavam no sentido da acusação inicial, porém em uma reviravolta, o superintende-geral do CADE acolheu a Nota Técnica que recomendou o arquivamento do processo administrativo contra Representadas, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Rio Claro e AMESC – Associação dos Médicos da Santa Casa de Rio Claro, pois,

“até o presente momento, não constam elementos suficientes nos autos para a condenação desses agentes ” em relação a desequilíbrio no mercado local.

Em outubro daquele ano, após ver o arquivamento da investigação, Mestrinel passou a admitir claramente o desejo de deixar o comando do SUS de Rio Claro o que acabou acontecendo em 2014 conforme noticiou o Jornal Cidade: Du Altimari confirma exoneração de Mestrinel.

Pessoas próximas ao médico afirmam que a decisão teria sido motivada por “questões pessoais”, como “doença na família”. Em setembro de 2013, pouco antes de sinalizar ao prefeito sua vontade de deixar o cargo, Mestrinel teve sua gestão marcada pela publicidade das denúncias relacionadas ao pagamento dos supersalários que foram eliminados só em 2019 com a aplicação integral do redutor nas folhas de pagamentos acima do teto constitucional.

Com a eleição de Gustavo Perissinotto (PDS), e mesmo com três rejeições de contas e o nome na lista de ficha sujas do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, o criador da AMESC, Marco Aurélio Mestrinel, volta a presidência da Secretaria da Saúde.

Confira a Linha do Tempo resumindo os fatos narrados na reportagem:

  • 2009 – Denúncia ao CADE de cerceamento e represamento de mão de obra médica por parte do Plano de Saúde da Santa Casa de Rio Claro desde 2003.

  • 2009/2010 – Médica consegue liminar e confirma bonificações, complementações e cerceamento para os médicos “não exclusivos” do Plano da Santa Casa por meio da AMESC criada por médicos entre eles o presidente Marco Aurélio Mestrinel.

  • 20 de abril de 2010, o presidente da AMESC, Marco Aurélio Mestrinel é alavancado a posição de destaque na Saúde Pública de Rio Claro no governo Du Altimari (MDB) durante as diligências do CADE.

  • 2011 – CADE instaura procedimento para apurar a denúncia inicial.

  • Em 2013, o Ministério Público passou a apurar o pagamento de vultuosas cifras aos médicos plantonistas que agiam na porta de entrada da Santa Casa (mantida com recursos municipais) e que entre julho de 2012 e junho de 2013, teriam recebido salários acima dos R$ 100 mil por mês com o pagamento de horas extras.

  • 2013, CADE acolheu a Nota Técnica que recomendou o arquivamento do processo administrativo contra Representadas, Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Rio
    Claro e AMESC – Associação dos Médicos da Santa Casa de Rio Claro.

  • 2014 – Marco Aurélio Mestrinel deixa a presidência da Fundação Municipal de Saúde de Rio Claro.

  • 2016 – Tribunal de Contas julga irregulares as contas da Fundação Municipal de Saúde de Rio Claro no ano de 2011 sob responsabilidade de Marco Auérlio Mestrinel, processo 372/026/11, transitado em julgado em 19/09/2016.

  • 2018 – Tribunal de Contas julga irregulares as contas da Fundação Municipal de Saúde de Rio Claro no ano de 2012 sob responsabilidade de Marco Auérlio Mestrinel, processo 2920/026/12 transitado em julgado em 03/10/2018.

  • 2019 – Tribunal de Contas julga irregulares as contas da Fundação Municipal de Saúde de Rio Claro no ano de 2010 sob responsabilidade de Marco Aurélio Mestrinel, processo 2920/026/12 transitado em julgado em 21/03/2019.

  • 2019 – Fundação Municipal de Saúde elimina os supersalários dos médicos plantonistas e Ministério Público arquiva denúncia inicial de 2015.

  • 2021 – Gustavo Perissinotto (PSD) ex-secretário de negócios jurídicos do governo Du Altmari (MDB) nomeia Marco Aurélio Mestrinel para o cargo de presidente/Secretário Municipal de Saúde de Rio Claro.

A assessoria do prefeito eleito não respondeu as indagações sobre a nomeação dos secretários. A assessoria da Santa Casa não foi consultada, nem a da AMESC. Os nomes citados estão publicamente disponíveis para consulta no processo arquivado do CADE, se resguardando o site, e na liberdade de imprensa, para publicar os fatos ora narrados.

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