A Confederação dos Tamoyos por Domingos José Gonçalves de Magalhães (Canto Primeiro)

À SUA MAJESTADE IMPERIAL O SENHOR DOM PEDRO II IMPERADOR CONSTITUCIONAL E DEFENSOR PERPETUO DO BRASIL.

Não é um simples motivo de particular gratidão por especiais favores devidos à Vossa Majestade Imperial, e sim um sentimento mais patriótico de profunda admiração e elevado reconhecimento pela prosperidade do nosso país, devida à sabedoria, justiça e amor às instituições livres, que tão altamente brilham no Trono na augusta pessoa de Vossa Majestade Imperial.


É este nobre sentimento que me inspira a ideia de oferecer e dedicar á Vossa Majestade Imperial este meu trabalho literário, como um tributo espontâneo de um súdito fiel ao melhor dos monarcas. Vossa Majestade Imperial deseja ser amado pelas suas virtudes públicas e privadas, que tanto edificam: e o Brasil todo o ama e o admira.


Li os bens materiais que crescem todos os dias entre nós, alias apregoam a solitude de Vossa Majestade em promove-los, muito mais apregoam a sabedoria do seu governo os bens morais e políticos de que gozamos, e pelos quais velhas nações da Europa ainda hoje derramam rios de sangue.
A instrução pública propagada e protegida, a completa liberdade da imprensa, a independência da tribuna, a tolerância dos cultos, os públicos empregos franqueados a todas as capacidades e talentos, o desentravamento do comércio; todos estes grandes bens, e os que deles necessariamente se derivam, aqui estão para apresentar o Brasil como uma nação constituída segundo a dignidade da natureza humana, e conforme os ditames da esclarecida razão e da boa política, e dar ao mesmo tempo de Vossa Majestade Imperial ao mundo a ideia de um príncipe perfeito, todo empenhado em promover o bom do seu povo.


Caes sendo os justos motivos da minha gratidão ninguém poderá taxar-me de lisonjeiro. Digne-se Vossa Majestade Imperial aceita a minha oferta e acolher benigno os ardentes votos pela vida e prosperidade de Vossa Majestade Imperial.

Beija as sagradas mãos de Vossa Majestade Imperial o de Vossa Majestade Imperial. Suldito fiel e reverente.

Domingos José Gonçalves de Magalhães

CANTO PRIMEIRO

Argumento

Invocação ao sol e aos Gênios dos bosques do Brasil.

Primazia desta parle d’America (O Amazonas e o Paraná)

Nada é comparável ás belezas desta natureza virgem (Seus indígenas. Perseguição contra eles)

Aimbire, o mais audaz dos chefes Tamoyos confedera todas aquelas tribos contra os Portugueses.

Para esse fim vai, ele procurar Pindobuçu, e o acha dando sepultura a um filho.

Lança Aimbire uma pedra sobre essa sepultura, que encerra talvez o cadáver de um amigo, e
recordando-se do tempo da sua infância, saúda a terra em que nasceu, e a que volta depois de longa ausência.-

Pindobuçú o reconhece, e lhe diz que o morto é Comarim, seu filho.

Lamenta Aimbire a perda do companheiro da sua infância.

Conta-lhe Pindobuçu como fora o filho mortalmente ferido defendendo sua irmã Iguassú, atacada por alguns Portugueses, dos quais três ou quatro foram mortos na luta.

Jura Aimbire vingar a morte do amigo; e aproveita a ocasião para ligar aquela tribo contra os Portugueses.

Oh sol, astro propício  que abrilhantas
Do criado universo altos prodígios;
Que aos bosques dás verdor, doçura aos frutos,
E os pétalos das flores vario esmaltas!
Oh sol, vital principio, que na terra
O tenro germe da semente aqueces
E o fecundas co'os teus benignos raios:
Luzeiro perenal nume adorado

Dos inocentes filhos da Natureza,
Que mal seu Criador, seu Deus conheceres
Oh sol, hoje m'inflama a mente ousada
Que asas desprende p'ra mais altos voos

Vós, solitários Gênios dos desertos
Do meu pátrio Brasil, nunca invocados
Té-qui por nenhum vale, a cujas vozes
Doçura deram do Carioca as águas
Genios, que outrora com choroso acento
Suspiros repetistes lamentosos
De tantas malfadadas tribos de Índios,
Que viram do europeu n'ávida espada
O sangue gotejar dos caros filhos,
Das esposas, dos pais e dos parentes;
Doces inspirações prestai-me, oh Gênios!
Dos Tamoyos, o intrépido ardimento,
Tão fatal á colonia portuguesa,
Do olvido sorvedor hoje exhumemos 
Na mente bafejai-me imagens que ornem
Dos filhos do sertões a sorte adversa.

Das Américas plagas venturosas,
Que as mais plagas do mundo nada invejam,
Ufana-se o Brasil como a primeira.
formosa é sempre ahi a Natureza,
Eterna primavera, o outono eterno.
Em leitos diamantinos pura lympha
Rega seus campos em caudaes correntes.
Innumeras, pujantes catadupas,
Voz dando á solidão, em crystaes curvos
De rochedos alpestres precipitam-se,
E de horrendo estridor pejando os ermos,
De valle em valle, entre asperas fraguras,
Onde atroam também gritos das feras,
Das serpes os sibilos e trinados
Dos pássaros, e a voz dos roucos ventos,
Viva orquestra parece a Natureza,
Que a grandeza de Deus sublime exalta!

Balisa natural ao Norte avulta
O das águas gigante caudaloso,
Que pela terra alarga-se vastíssimo

Do Oceano rival, ou rei dos rios,
Si é que o nome de rei o não abate;
Pois mais que o rei supera em pompa e brilho.
No sólio á multidão em torno curva, 
Supera o Amazonas na grandeza
A quantos rios há grandes no mundo!
O Kiang, o Nilo, o Volga, o Mississípi,
Inda que as águas suas reunissem,
Com ele competir não poderiam.
Ao lado seu direito, e ao esquerdo lado
Mil feudatários rios vem pagar-lhe
Tributo perenal de suas águas.
Ressupino gigante se afigura,
Qual outro Briareo, mas verdadeiro,
Que estende os braços p'ra abarcar a terra!
Pujante assim no Atlântico se entranha,
Ante si repelindo o argênteo salso,
Como si ele na terra não coubera,
Ou como de inunda-la receoso
Si mais longo e mais lento a discorresse!
O Amazonas co'o Oceano furioso
Luta renhida trava interminável!

Para roubar-lhe-o leito; e ronca e espuma,
Qual no lago, enlaçada a cauda a um tronco,
Feroz sucuriúba hórrida ronca 
Quando sente mover-se à flor das águas
Lontra ligeira, ou anta descuidada,
E inchando as fauces, a cabeça eleva,
Os queixos escancara, a língua solta,
Para de uma só vez tragar o amphibio;
Tal no pleito co'o Oceano o Amazonas
Para sorve-lo a larga foz medonha
Légoas abre setenta! A. ingente lingua
Estende de tres vezes trinta milhas,
Como uma longa espada, que se embebe
Através do Atlântico iracundo,
Que gemendo recua no arremesso,
E em montes alquebrado o dorso enruga.
Armas que joga ao mar são grossos troncos
Arrancados na fúria, são pedaços
De esbroadas montanhas que ele mina:
Seus gritos são trovões tão horrorosos,
Que ali parece submergir-se o mundo!
Quando se incha seu corpo desmedido,

Equórea, espessa nuvem se levanta
Como uma chuva contra o céu erguida,
Refletindo do solos sete raios!
Tal o conquistador, que co'os despojos
Dos reis destronizados se opulenta,
Ou co'os tributos dos vencidos povos,
Em pé firme no carro do combate,
Envolto n'uma nuvem de poeira,
Na frente vai levando debandada
Ingente aluvião de imigas hostes,
E ante as portas de bronze do castelo
Nova vitoria alterca porfiosa ,
Da oposta parte, não tão majestoso,
Mas grande em si, o Paraná se alonga
Da serra Mantiqueira, e cava, e afunda
Largo sulco nas terras que devassa;
Como escorregadiça, argêntea estrada,
Obra sem par das mãos da Natureza,
Em prol dos filhos seus circunvizinhos,
No trajeto veloz se assenhoreia
De pingues, numerosos afluentes,
Té no Prata perder-se, ou dar-lhe origem

Nesta vasta extensão do Éden terrestre
Se ostenta o céu tão lindo e tão sereno
Como os olhos da virgem, cuja mente ,
Erma está de amorosos pensamentos:
Tão cristalino e azul como um zimbório, 
De inteiriça turquesa, ou de safira.
O ar é tão nectáreo como o aroma
Que no dia nupcial o ardente esposo-
Nos puros lábios frue da virgem noiva:
Co'as primícias de amor, beijo suave!
Etão leda garbosa a Natureza
Como a faces de riso salpicadas
De uma mãe que se expande entre os filhinhos ,
Que inocentes meiguices lhe tributam.
Oh da Grécia deleitosos campos,
Onde o Alphêo e o Eurotas serpenteam,
E em cujas margens Dríades habitam!
Montes, que dais abrigo em vossos topes

De loureiros á sombra, ás castas musas,
Vós não assoberbais a majestade
Destes montes brasílios, destes bosques!
Desdenha este santuoso Paraíso 
As sonhadas ficções da mente humana;
Malignos Faunos, pudibundas Nymphas
Nestas virgens florestas não vagueiam:
Grande como sábio das mãos do Eterno,
A Natureza é tudo, e excede ao homem,
Que hade bem cedo emparelhar com ela!
Oh plácido remanso! Aqui a mente
Repousa, e se deleita em contempla-lo;
E no intimo d'alma, que se espraia,
Ressoa de seu Deus a voz cadente,
Como ressoa em bosque de palmeira.
Vago sopro das auras matutina .

Raças mil de homens livres sem cultura,
Cuja origem té hoje ignora o mundo,
Estes sertões outrora povoaram
Antes que a industria e as artes, transplantadas

Pela mãos do Europeu, aqui mudassem
Brutas pedras e troncos em cidades
Mas quanto, oh Parahyba, quanto sangue
De inocentes indígenas primeiro
Tuas águas tingiu, regou teus campos!

Tu ó, Religião sublime e santa
Do Deus por nosso amor martirisado,
Tu só consolador óleo verteste
nos ulcerados corações dos índios.
Tu só com mãos piedosas as almas cordas
D'harpa misteriosa revolvendo
Milagrosos acentos extraíste,
Que o filhos dos desertos encantaram,
E á tua grei os foram atraindo.
Si as maravilhas tuas cantar posso,
Meu estro fortifica, aquece-o, anima-o
Co'uma brasa do teu sacro turíbulo.

Oh! e porque tão frio, tão amargo
Pranto verteis, meus olhos magoados?
Tanto dos Índios vos contrista a sorte,
Ou dos nossos maiores a dureza
Com quem á escravidão os reduziram?
A escravidão! .. oh céus! Quando do Mundo
Tão grande crime fugirá para sempre?
Mãos, sim, nossos pais foram para com ele…
Torpe ambição, infame crueldade
Os esforços mil vezes deslustraram
Dos primeiros colonos Lusitanos,
Que o amor do áureo metal e feios crime.:
A estas virgens plagas conduziram.

Não, dos canhões não foi o eco estrondoso
Que ao Índio impôs terror; nem mesmo a morte
Que mortes e trovões terror não causam
Aos filhos dos sertões, á guerra afeitos,
Que livres deslisavam vida errante;
Foi sim o cativeiro, algemas foram,
Que alguns, ora colonos, de seus pulsos
Aos pulsos dos indígenas passaram;

Alguns, ora colonos, mas que outrora
Em Lisia réos infames se oprimiam 
De empestadas prisões nos subterrâneos.
Corno preza a andorinha a liberdade,
E por instinto soe cantar errante,
Errante fabricar ligeiros ninhos;
E si no aéreo carcere encerrada
Triste pende a cabeça, encolhe as azas,
Cala o trinado que soltava livre,
Rejeita tênue grão, suspira e morre:
Não menos estes filhos das floresta
Errante vida e liberdade estimam.
Ora aqui, ora ali erguem choupanas,
E onde frondosas arvores estendem
Pejados ramos de gostosos frutos
Ali é seu país, ali se abrigam.

Toda esta terra é nossa, e nunca falta
Terra para os mortais. O passarinho
Que nos ares nasceu, nos ares voa,
E nem n'um tronco só seu ninho tece;
Embora o tronco firme sobre a terra,
Suporte a chuva, e o sol, e o vento, e o raio;
Não tem membros o tronco que o transportem
Mas nós, homens, a quem Tupã deu tudo,
Nós, que livres nascemos nestes bosques,
Porque escravos agora nos faremos? »
Deste jeito discorrem os selvagens.

Depois que as praias e os sertões brasílios,
Ribombando o trovão da artilharia
Repetiram tais sons - tudo isto é nosso -
Viram-se os Índios sob o peso curvos
De aspérrimos trabalhos, como brutos,
Que os Portugueses brutos os julgavam,
Cantando ao som do látego incessante,
Mas cântico de dor com voz de escravo.

Não mais, grotas, não mais em vós soará
O canto do homem livre!- A liberdade
Trocado havia em luto as brancas vestes,

E só tristes gemidos exalava;
Como o guará, que perde as alvas penas
E novas porém negras só lhe crescem,
E de tão lindo que era e tão garboso,
Adejando ligeiro á flor do lago,
Co'o rostro ora ferindo-o, e contemplando
Sua imagem no meio de mil orbes,
Que iam delineando as moveis águas'
Ora curvando a aquática vergontea
Co'o peso de seu corpo, qual esbelta
Virgem, que em bamba corda se embalança:
Ora enfim alongando o airoso colo
Como uma flauta ebúrnea a voz soltava;
De tão lindo qu'elle era, se transforma
Em pássaro funéreo, e fugitivo
Geme, como carpindo a perda sua,
E nem ousa mostrar-se envergonhado,
Até que o luto em purpura se muda
Co'as plumas novas, que lhe crescem rubras.

Assim fugiste, oh cara liberdade,
De luto envolta; e Só com sangue agora
Te é dado o triunfar! -Ai, pobres Índios!
Uns faziam gemer a virgem terra
Co'os repetidos golpes das enxadas;
Outros nos densos matos mutilavam
Arabutans, jacarandás, graúmas,
E os bosques rebramavam co'as pancadas
Resoantes dos machados: -parecia
Que de dor se carpiam, por se verem
Roçados pelas mãos de homens escravos
Pela primeira vez; homens que outrora
Livres á sombra sua se acoutavam.
Outros enfim das abas das montanhas,
Sobre os despidos ombros já calosos,
Os lavrados esteios carregavam,
Que deviam erguer nascentes vilas,
Para cômodo só dos seus senhores.

Inda tudo não é; ,mesmo no centro
De incógnitos sertões o Luso armado,
Como da destruição o infrene gênio,

Levava o cativeiro, o horror, o estrago,
O incêndio e a morte ás tabas indianas. 
Homens justos, apóstolos de Cristo,
Anchieta e seus irmãos em vão bradavam
Contra tão fera usança e ruim costume:
Conselhos de dever, de honra, que valem
P'ra as almas encharcadas na cobiça?

Aimbire, o mais audaz entre os Tamoyos,
Meditava projetos de vingança .
Contra a Lusa colonia Vicentina,
Donde p'ra seus irmãos o mal saía.
De sertão em sertão, de taba em taba
Andava ele incansável incitando
As tribos dos Tamoyos á revolta.
Já tinha percorrido as férteis plagas
Que banha o Pirahy, e o Parahybuna;
Tinha já costeado a destra margem
Do longo, caudaloso Parabyba;
E atravessado os campos e as montanhas
Que entre o Guandú e o Macahé se estendem:
Por toda a parte amigos encontraria,
Prontos como ele, para a grande empresa,
E todos de vingança sequiosos
Que o presente cruel se lhes mostrava,
E o futuro pior; terrível tudo.
O Índio verboso, e de subtil engenho,
Por afanosos trances amestrado,
Inda mais inflamando-Ihes o ódio,
Pra vingança comum os coligava.
Só faltava-lhe o braço e a experiencia
Do ancião Pindobuçú; a ele corre,
Sobe ao alto da Gávea, onde ele habita;
E o acha, oh dor, em fúnebre aparato
'Dando o eterno repouso a um caro filho.

Já o cadáver dentro da igaçaba, 
Com as guerreiras armas de que usara,
Tinha sido enterrado em funda cova.
De Comorim o irmão e os companheiros
Com lentos passo , e as cabeças curvas,
E os olhos para o chão, "em pranto envolto~,
Já para a sepultura vão levando
Toscas pedras pra o tosco monumento.
O Cacique, sentado junto á cova,
Pousa a sinistra mão sobre a cabeça
Da filha, que soluça em seus joelhos,
E co'a dextra apertando a própria fronte,
Para o funéreo momento absorto atenta,
E como que sua alma além vagueia.

Aimbire chega, e pára; olha, examina;
Bale-lhe o coração; falar não ousa.
Ao ver o velho assim, e ao lado a filha,
Parece adivinhar. . . Toma uma pedra
E a leva á sepultura: « Em paz descansa,
(Diz) oh guerreiro, cujo nome ignoro;
Mas és Tamoyo, e amigos meus te choram,
Aqui teus ossos jazerão p'ra sempre
Sobre este monte, que me viu pequeno;
Após meu pai, andar saís caçando,
Tão lindo squ'eu co'as penas me enfeitava.
Lá diviso a Tijuca tão saudosa,
Cujas águas bebi; nelas banhei-me.
Ali naquelle morro, onde se eleva
O Corcovado píncaro ventoso,
Doce e manso deslisa-se o Carioca,
A cujas margens minha mãe cantava
Tão mestos cantos, qu'eu chorando ouvia,
E ainda choro co'a lembrança deles.
Quantas vezes naquela escura várzea,
Onde o Catête saltitante corre,
Ouvindo o sabiá e o gaturamo,
Dormi, sonhei, aromas respirando
Co'aquelles ares puros que dão vida!
Aqui a baixo o Comorim se alarga, 
Onde eu pescava tantas vezes, tantas.
Terras em qu'eu nasci, como sois belas!
Como és formoso, oh céu do Guanabara!
Mais azul do que as penas d'ararûna!
E a vós eu volto e vos saudo em frente
De uma recente, pranteada campa,
De quem, não sei; talvez de algum amigo!

Mal a voz - Comorim - soou ao velho
Súbito ele estremece; olha, procura
Reconhecer o incógnito guerreiro
Que tal nome soltou. A voz lhe escuta,
Mede-o todo; e depois qu'ele se cala:
- Aimbire! Não és tu?

- Sim, sou Aimbire!
E o Cacique, lançando- e em seus braços,
O aperta contra o peito; encara-o e chora,
E de novo o aperta uma e mais vezes.
- Aimbire! tu aqui... Ah, quem te disse , 
Como soubeste que perdi meu filho,
Teu amigo de infância, o meu querido,
O meu bom Comorim?

- Que! pois é ele?
Ele? .. o meu Comorim! .. é ele o morto
Que ali jaz? Comorim: como morreste?
Tu tão moço, tão bravo, e tão robusto?
Quem em patumujú te não julgara
Em força, em duração, como em beleza?

Que raio te ferio antes de tempo?
Eu não sabia, ah, não… Quando cuidava
Poder hoje apertar-te nestes braços
Contar-te minha vida, meus trabalhos,
Meus longos sofrimentos e desgraças,
Venho pôr uma pedra em teu momento!
Oh companheiro meu nos tenros jogos
Dessa idade feliz, que brilha e acaba,
Como a flor da urumbeba, após deixando
Feio tronco, escabroso, e todo espinhos!
Quantas vezes amigos apostamos
Quem mais certeiro mandaria a flecha
O pássaro ferir, alto pairando!
Quem mais veloz nadando, ou já correndo,
Primeiro chegaria ao dado termo.
Ou quem mais ágil pendurado a um galho
Para o galho fronteiro se arrojara.
Como eu gostava de brincar contigo!
E perdi-te! E não mais ver-te-ão meus olhos
Como subindo alegre esta montanha,
Tão cheio de prazer e de esperanças,
Pensando tanto em ti, que vivo eu cria,

Não palpitou-me o coração presago;
Nem ouvi murmurar por entre o bosque
O eco de nenhum Maraguigana 
Que este golpe fatal me anunciasse!
Ai! Quanto custa a perda de um amigo,
De um bravo como tu! . . E eu inda vivo! 

O pai, o irmão, a irmã, os Índios todos
Enternecidos choram, vendo Aimbire,
E ouvindo-o deplorar do amigo a morte.
Queixas, lamentações longas soaram.
« Mas enfim, disse o velho, é tempo, oh filho ,
De deixar em repouso a quem não vive.
Pois que Aimbire aqui chega afadigado
De bem longe talvez, que se passaram.
Tantos sóes sem notícias termos dele,
Vamos dar-lhe agasalho e algum repouso.

Não, disse Aimbire, não: quero primeiro
Que entorno destas pedras assentados
Me contes si em combate, ou de que modo,
O bravo Comorim perdeu a vida.

Ai, exclama o -Cacique! Nenhum homem
Morreu ainda por mais nobre causa!
Era meu filho! E como morreria
Senão lutando tão audaz guerreiro!

Apenas há três sóes que uns Emboabas, 
Dos que talvez na Bertioga habitam,
Naquella praia em baixo apareceram.
Comorim e Iguassú também andavam
Nesse dia fatal por lá caçando:
Quem podia prever um mal tão grande?
Em quanto n'um momento, não cuido o,
Meu filho pelo bosque se entrenhara
Após um caitutú que lhe fugia,
Sua irmã, que aqui vês, linda e garbosa,
Que vence o sahixé na gentileza,
E excede o sabiá no meigo canto,
Cantando andava só toda entretida
A colher uns ingás pela restinga:
Pra mim ela os colhia: é seu costume
Sempre que sabe trazer-me alguma cousá.
Aqueles maus a viram, tão sozinha,
E assim que a viram, cobiçando-a logo,
Quiseram agarra-Ia: ela, gritando,
Coitada! como a rola perseguida,
Para o mato correu. Correram eles
Após, como as igáras esfaimadas;
Mas ela, pelo irmão chamando sempre,
Mais ligeira do que eles lhes fugia.
Um mais audaz já quase a segurava,
Quando o meu Comorim aparecendo,
Já co'o arco esticado e a flecha no alvo,-
Com promta morte atravessou-lhe o peito;
Outro, que vinda após, co'o braço alçado
Para lhe disparar troante bala,
Varado o braço, ali caiu bramando.
Era a ultima flecha, e já meu filho
Daquele inútil braço ia arranca-Iá,
para manda-lá novamente a outro ousado,
Que vira mais além por entre os ramos,
Quando dois por detrás o aferraram,
E seus punhos nas costas lhe embeberam.
Comorim, mesmo assim preso e ferido,
Curva-se um pouco, e súbito se erguendo,
O corpo sacudiu e os fortes braços,
E por terra atirou os dois contrários:
Como ligeiro e forte era meu filho!
E agarrando-os depois pelos cabelos,
Deu co'a cabeça de um contra a do outro,
Que batendo quebraram-se estalando,
Como estalam batendo as sapucaias!
Nenhum mais se mostrou; os mais fugiram.
Entretanto Iguassú vinha gritando,
Até que ao longe viu alguns Tamoyos,
Que a seus gritos pungentes acudiram,
E sabendo do caso logo foram
O irmão socorrer. Porém, oh magoa!
.Já longe do logar da feroz luta
O acharam quase exangue e semi-morto.
Assim o filho aos ombros me trouxeram:
Assim nos braços o tomei chorando.

Ah meu filho! Parece o estou vendo! 
Que não fiz eu para estancar-lhe sangue,
Que das largas feridas se escoava!
Ele sem exalar um só suspiro, 
A dor' vencendo, desdenhando a morte, 
Com voz segura, posto que difícil,
Pode contar-me o que narrado tenho. 
Ninguém o viu gemer: senão que o digam? 
Calou-se um pouco, c respirou com força;
Era a última vez que respirava, 
E todos contraindo-se: Vingança!
Disse, e morreu... E ali cai sobre ele!

Creio que muitos os malvados eram,
Porque os mortos no bosque não se acharam;
E no mar viu-se ao longe uma canoa
Grande, cheia e veloz, que ia fugindo.
Em vão alguns dos nossos a acossaram;
Tarde foram e a noite protegeu-a.

Mal que o velho acabou, Aimbire exclama:

E pra quando guardais essa vingança
Que Comorim pediu no extremo arranco?
Não ouvis sua voz surgir da cova,
E de novo bradar - Vingança - amigos?! 

Sabes (Parabuçú pergunta irado),
Sabes tu onde estão os companheiros
Dos vis, que meu irmão assassinaram?
Dize onde eles estão, onde se escondem,
Que a vingança pedida tirar quero.

Onde estão? Tu perguntas? Pois não sabes
Onde estão os feroces Portugueses,
Que nos roubam os filhos e as mulheres,
E matam nossos pais, irmãos e amigos?
Não sabes onde estão esses ingratos,
Que tomam nossa terra e nos perseguem,
E nos caçam e a escravos nos reduzem?

Estão em Piratininga, em Bertioga.
Onde Tibiriçá, o próprio nosso,
Os Carijós e os Guayanás os servem.
Lá estão eles tranquilos, meditando
Em roubos, guerras, mortes e extermínio;
Lá estão eles pensando de que modo
Hão de aqui vir bem cedo p'ra vingar-se,
E roubar Iguassú, que lhes fugira.
Pois bem, eu também penso em extingui-los.
Serás vingado, Comorim, eu juro
Por teu sangue inocente derramado;
Por minha mãe, que os vis assassinaram;
Por meu pai, que morreu no cativeiro;
Pela linda Iguassú, que defendeste,
E que defenderei de hoje em diante
Como irmão, si quiser, ou como esposo,
Si ela e Pindobuçú me não desprezam!
Juro por este céu, por estes ares,
Por tudo quanto vejo, e pela lua -
Que tomo em testemunha, e que me escuta;
Juro que hei de vingar a tua morte,
Até que a tua voz me grite: -basta!

Tamoyos, que me ouvis, tudo está pronto;
Todos estes sertões estão armados,
E por vós só esperam. Eia, armai-vos
Para a grande vingança, de nós- digna:
Não ha prazer que ao da vingança iguale.
Comorim não quer lagrimas, quer sangue!
Não quer tristeza, quer furor e guerra!
Preparai-vos para a guerra sanguinosa,
Que eu aviso vou dar ás tabas todas
Que vós sereis conosco. Prometeis-me?
Quereis ser livres de uma vez para sempre?

- Sim, prometemos - Numa voz. bradaram:
Vingança e liberdade só queremos

Pois bem: que agora os mortos sós descansem
Nas suas igaçabas; que eu repouso
Não quero até o dia da vingança.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto:
search previous next tag category expand menu location phone mail time cart zoom edit close