Tensões no ambiente de trabalho e a disputa de poder e seu impacto a lógica financeira

Segue, texto escrito pelo pequeno grupo e apresentado em cumprimento a disciplina:

As inúmeras narrativas dos processos de trabalho no Sistema Único de Saúde (SUS) aponta, por diversas vezes, para um conjunto de situações-problemas como a falta de articulação da rede, falta de capacitação dos profissionais, necessidade de reflexão a prática (cuidado do cuidador), falta de inserção dos profissionais na construção de políticas em saúde, dificuldade de acesso a ferramentas, relação de poder conflitantes; ausência do olhar para o cuidado com o cuidador, etc.

Buscar respostas para responder quais os motivos para tanto conflito são primordiais para entender o sistema em questão, afastado o senso comum de vitimização ou responsabilização excessiva dos servidores.

A falta de articulação devido ao desconhecimento dos profissionais sobre o funcionamento da mesma; além da dificuldade de comunicação nos processos de trabalho e a construção processual da práxis que acaba desarticulando a rede podem ser, a priori, reflexos do que chamamos de paradigma da racionalidade técnica, uma entre inúmeras ferramentas a serviço da lógica vigente, acentuando os conflitos na microfísica do poder nas relações de trabalho do SUS.

Dentro deste contexto, indaga-se o paradigma da racionalidade técnica interfere na desarticulação, na dificuldade de comunicação para os processos de trabalho e na desumanização dos trabalhadores do SUS?

O paradigma da racionalidade técnica (ou epistemologia positivista da prática). Aponta que “a atividade profissional consiste na solução instrumental de um problema feita pela rigorosa aplicação de uma teoria científica ou uma técnica” (SCHÖN 1983, p. 21).

De acordo com essa visão, a prática educacional (ou de formação da mão de obra) é baseada na aplicação do conhecimento científico, com disso questões educacionais são tratadas como problemas “técnicos” os quais podem ser resolvidos objetivamente por meio de procedimentos racionais da ciência (DINIZ-PEREIRA,2014).

Em contraponto, é necessário pontuar, que a

(…) racionalidade crítica, a educação é historicamente localizada – ela acontece contra um pano de fundo sócio histórico e projeta uma visão do tipo de futuro que nós esperamos construir –, uma atividade social – com consequências sociais, não apenas uma questão de desenvolvimento individual –, intrinsecamente política – afetando as escolhas de vida daqueles envolvidos no processo – e finalmente, problemática – “seu propósito, a situação social que ele modela ou sugere, o caminho que ele cria ou determina relações entre os participantes, o tipo de meio na qual ele trabalha e o tipo de conhecimento para o qual ele dá forma” (CARR e KEMMIS: 1986, p. 39).

CAMPOS (2016) alega que a racionalidade técnica aristotélica que ressalta a técnica (do grego “tekene”) é uma relação automatizada entre conhecimento e prática.

Logo, existe, uma tensão de forças sobre o papel da educação e a qual paradigma este conjunto de valores e ações está subserviente.

De algum modo, pode-se chegar a inúmeras perguntas de como a formação do trabalhador do Sistema Único de Saúde (SUS) – considerado um front de resistência contra a lógica vigente – pode acentuar conflitos e resistências ou como diminuí-la em experiências exitosas. E a relação supracitada extrapola o campo educacional ou de formação da mão-de-obra e capilarmente se irradia para todos os subgrupos inseridos no sistema, no que Focault (1979) e seu grupo de estudo já evidenciava em meados da década de 70, momento que ocorria a Reforma Sanitária no Brasil.

O foco, então, passa a ser a superação desta estrutura fragmentada de atenção à saúde, focalizada em determinados serviços que se organizam por diferentes pontos de atenção à saúde, isolados e desconectados uns dos outros, e que, por consequência, são incapazes de atender de forma organizada as necessidades dos usuários.

Pode-se dizer que é primordial o olhar crítico-reflexivo buscando superar os modelos biomédicos e a fragmentação do cuidado ainda existentes na tentativa/busca pela articulação das Redes de Atenção à Saúde (RAS). Torna-se imprescindível (re) pensar novos fluxos e circuitos dentro da rede de saúde, desenhados a partir dos movimentos reais dos usuários, dos seus desejos e necessidades e da incorporação de novas tecnologias de trabalho e de gestão que consigam viabilizar a construção de um sistema de saúde mais humanizado e comprometido com a vida das pessoas (CECÍLIO, 1997), em busca da integralidade da atenção.

O desafio maior é transformar o modelo tradicional de atenção (hospitalocêntrico, biologicista e médico-centrado) em um novo modelo que possibilite uma atenção contínua, integral, no qual os usuários sejam pró-ativos perante sua condição de saúde.  A gestão precisa conversar com os trabalhadores que atuam na prática, ou seja, criar uma rede integrada que possibilite a participação do trabalhador e do usuário em uma democracia institucional. Visando a estruturação de fluxos de integração entre os diferentes níveis do sistema, seja no âmbito interinstitucional para criar vínculos efetivos e de corresponsabilização com o usuário.

Como diria Fernando Pessoa:

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.

REFERÊNCIAS

CAMPOS, G.V.S. Apoio Institucional como estratégia de inovação em saúde. NETHIS – Núcleo de Estudos sobre Bioética e Diplomacia em Saúde, publicado em 16 de novembro de 2016.

CARDOSO, Janaína (Gustavo Nunes de Oliveira e Paula Furlan) Gestão Democrática e Práticas de Apoio Institucional na APs no Distrito Federal, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, Março, 2016.

CECÍLIO, L.C.O. Modelos tecno-assistenciais em saúde: da pirâmide ao círculo, uma possibilidade a ser explorada. Cad. Saúde Pública. 1997, vol.13, n.3.

DINIZ-PEREIRA, J.E. Da Racionalidade Técnica à Racionalidade Crítica: Formação docente e transformação social. PERSPEC. DIAL.: REV. EDUC. SOC., Naviraí, v.01, n.01, p. 34-42, 2014.

FOUCAULT, M. (1979a). “O nascimento da medicina social”. In: Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal.

SCHÖN, D. The reflective practitioner. New York: Basic Books, 1983.

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