A Advocacia-Geral da União (AGU) garantiu a solução de 27 casos envolvendo a subtração internacional de crianças no ano de 2022. Desse total, 17 casos foram solucionados por meio de conciliações. Em outros dez casos, a AGU garantiu o cumprimento da Convenção Internacional da Haia por meio sentenças favoráveis ao retorno de crianças subtraídas ilegalmente.
A subtração acontece quando um dos genitores tira de forma ilícita o menor do seu país habitual. Para garantir o retorno imediato dos menores e promover os interesses das crianças, a Convenção sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças (Convenção da Haia de 1980) criou um mecanismo de cooperação internacional entre estados-membros. No Brasil, a AGU tem o papel de zelar pela aplicação da convenção e acompanhar todos os casos envolvendo a subtração de menores.
Em um dos casos resolvidos recentemente, os pais exerciam guarda compartilhada de duas crianças na Alemanha, onde a família residia. No entanto, a mãe trouxe as duas filhas menores para o Brasil e não retornou em outubro de 2021, como era previsto, retendo as crianças até dezembro de 2022. O pai, então, pediu auxílio brasileiro para garantir o retorno. A AGU atuou, assim, junto aos advogados das partes na elaboração de um acordo para proteger as crianças e promover celeridade na resolução do conflito.
Após homologação da Justiça, ficou acordado que as crianças deveriam voltar a Alemanha em janeiro de 2023 para a residência habitual, onde estudam, e voltar para passar as férias escolares no Brasil com a mãe. ”A essência desses acordos é construir uma situação favorável, sobretudo para as crianças, e que os pais possam cumprir. Então, mostrando e convencendo que o melhor para as crianças é poder desfrutar de ambas as culturas e da presença do pai e da mãe”, explica o advogado da União que atua na Coordenação de Assuntos Internacionais, Wellington Vilela de Araújo.
Desafios
Em alguns casos, as partes não chegam a um acordo, mas a AGU atua para garantir o retorno dos menores da melhor maneira possível. Recentemente, a AGU conseguiu reverter uma decisão e repatriar um adolescente para seu país de origem, a Bélgica, após sete anos de uma disputa que corria na Justiça. A entrega do menor foi feita de maneira voluntária, evitando, assim, o uso de força policial e, consequentemente, possíveis traumas psicológicos.
O advogado da União Wellington Vilela de Araújo explica que a demora excessiva na resolução dos casos pode levar a alguns problemas. “O primeiro é a dificuldade de repatriamento quando a criança retida ilicitamente fica muitos anos no país, pois há forte adaptação ao local e dependência do genitor com o qual a criança se encontra, tornando-se muitas vezes, inútil a Convenção internacional”, explica. “O segundo problema, e é bastante grave, é o risco de condenação do Estado brasileiro no Sistema Interamericano de Direitos Humanos por demora injustificada na tramitação dos procedimentos de restituição”, acrescenta.
Caminho certo
O advogado da União Henrique Moreira Gazire, da Procuradoria de Assuntos Internacionais, fala sobre a aplicação da Convenção no país. “O principal desafio é fazer que o Judiciário compreenda a relevância desses casos e consiga julgá-los sem adentrar em questão de guarda. Nosso papel tem sido reforçar e conseguir demonstrar que é preciso ter confiança no estado estrangeiro que pede o retorno para dar condições de que ele julgue a demanda de guarda dessa família da maneira justa”, explicou. “Houve uma melhora grande no julgamento e na jurisprudência brasileira. Inclusive, em 2022, teve um julgamento no STJ que praticamente reproduziu o que a AGU sempre defendeu na parte técnica e jurídica. Isso é um sinal de que estamos no caminho certo”, ressaltou.
O julgamento comentado por Gazire é o REsp 1.959.226, no qual a 1ª Turma decidiu que a transferência de uma criança do Canadá para o Brasil havia sido ilícita e que ela deveria retornar ao país, como efetivamente ocorreu. Além disso, o acórdão chancelou a interpretação defendida pela AGU aos dispositivos mais sensíveis do tratado.
Subtração ilícita
De acordo com a Convenção da Haia, a transferência ou a retenção de uma criança é considerada ilícita nos seguintes casos: tenha havido violação a direito de guarda atribuído a pessoas ou a instituição ou a qualquer outro organismo, individual ou conjuntamente, pela lei do Estado onde a criança tivesse sua residência habitual imediatamente antes de sua transferência ou da sua retenção; e se direito estivesse sendo exercido de maneira efetiva, individual ou em conjuntamente, no momento da transferência ou da retenção, ou devesse estar sendo se tais acontecimentos não tivessem ocorrido.