Duas viagens ao Brasil por Hans Staden (Cap. 1 a 2)

Capítulo I

Eu, Hans Staden de Homberg, em Hessen, me impus como tarefa, se a Deus agradar, conhecer a Índia e com essa finalidade viajei de Bremen para a Holanda.

Em Kampen encontrei navios que pretendiam carregar sal em Portugal. Viajei com eles e cheguei à cidade de Setúbal, depois de navegar durante quatro semanas, em 29 de abril de 1548.

De lá me dirigi à cidade de Lisboa, a cinco milhas de distância. Em Lisboa encontrei uma pousada cujo proprietário se chamava Leuhr e era alemão. Fiquei algum tempo com ele, e quando lhe contei que tinha deixado minha terra para navegar para a Índia, ele me disse que eu tinha chegado tarde demais, pois os navios do Rei que viajavam para a Índia já tinham zarpado. No que lhe pedi que me ajudasse
a encontrar uma outra oportunidade para a viagem, visto que ele conhecia a língua do país.

Comprometi-me a retribuir-lhe de alguma forma.

Ele me engajou num navio como artilheiro. O capitão desse navio, de nome Penteado, tinha a intenção de navegar até o Brasil como comerciante, mas detinha licença para capturar navios que negociassem com os piratas. Também lhe era permitido pilhar navios franceses que negociassem com os selvagens no Brasil. E, por fim, ele deveria levar para o Brasil alguns prisioneiros, que mereceram punição, mas que foram poupados, pois desejava-se estabelecê-los no novo país.

Nosso navio estava equipado com todo o armamento necessário para a guerra no mar.

Éramos três alemães a bordo, Hans, de Bruchhausen, Heinrich Brant, de Bremen, e eu.

Capítulo 2

A partida de Lisboa, em Portugal, para minha primeira viagem marítima

Hans Staden

De Lisboa zarpamos num pequeno navio, que por sinal pertencia a nosso capitão, e chegamos à ilha da Madeira. Essa ilha do Rei de Portugal é habitada por portugueses. Ela é fértil e produz vinho e açúcar. Abastecemo-nos de víveres numa cidade chamada Funchal e depois seguimos para uma cidade chamada Cabo Chir, pertencente a um príncipe mouro, um xerife. Anteriormente pertencia ao Rei de Portugal, mas o xerife tomou-a. Nesta cidade esperávamos encontrar navios que, como já mencionado, negociavam com pagãos.

Ao chegarmos perto da costa, encontramos numerosos pescadores castelhanos e deles ficamos sabendo quais navios costumavam aportar nessa cidade e, ao nos avizinharmos do porto, vimos um navio totalmente carregado saindo dele. Seguimos e o tomamos, mas a tripulação escapou em um bote. Foi então que avistamos um barco abandonado na praia, que podia ser muito útil junto com o navio capturado, e a ele nos dirigimos. Os mouros cavalgaram velozmente para tentar defendê-lo, mas não tiveram êxito frente ao nosso poder de fogo.

Com o nosso butim, consistindo em açúcar, amêndoas, tâmaras, peles de cabra e goma arábica, um verdadeiro carregamento, retornamos à ilha da Madeira. Enviamos os navios menores para Lisboa, para que informassem o Rei e para pedir instruções quanto à mercadoria apreendida, pois pertencia em parte a comerciantes de Valência e de Castela. O Rei nos respondeu que devíamos deixar o butim na ilha e continuar nossa viagem; Sua Alteza, entretempo, reuniria informações mais precisas.

Fizemos conforme ele ordenara e zarpamos mais uma vez rumo a Cabo Ghir, de modo a averiguar se poderíamos apreender mais mercadorias. Mas nosso empreendimento não teve êxito. O vento nos empurrava para a costa e frustrou nosso plano. Na noite de Todos os Santos nos afastamos da costa marroquina em meio a uma forte tempestade e tomamos o rumo do Brasil.

Quando estávamos a quatrocentos quilômetros da costa do Marrocos, em alto-mar, apareceram muitos peixes nas proximidades do navio e pescamos alguns com o anzol. Entre eles havia alguns grandes, chamados de albacoras pelos marujos, pequenos atuns e de quando em vez dourados. Também havia grande quantidade de um peixe mais ou menos do tamanho do arenque, com pequenas asas dos dois lados, como nos morcegos. Quando percebiam peixes grandes atrás de si a persegui-los, saltavam em grandes quantidades da água e voavam até duas braças acima da superfície, alguns tão longe que quase não se podia vê-los.

Depois voltavam a cair na água. Freqüentemente os encontrávamos no convés de manhã, onde caíam à noite ao voar. Em português chamam-se peixes-voadores. Chegamos, então, às proximidades do Equador. Fazia muito calor, pois o sol ficava verticalmente sobre nós ao meio-dia, e houve calmaria de ventos durante dias. À noite, muitas vezes eclodiam fortes trovoadas, com chuva e vento. Começavam e terminavam repentinamente, e devíamos agir com celeridade para não sermos surpreendidos de velas içadas.

Quando, finalmente, surgiu um vento que depois se transformou em tempestade e soprou contra nós durante dias, tememos ficar sem alimentos se perdurasse mais tempo. Por isso rogamos a Deus por ventos favoráveis.

Certa noite, durante forte tempestade, estivemos em sérios apuros. Então surgiram ao longe muitas luzes azuis, como jamais eu tinha visto. Elas desapareciam quando as ondas batiam de frente contra o navio. Os portugueses diziam que essas luzes eram o prenúncio de tempo bom e que eram enviadas por Deus para reconfortar-nos nas dificuldades. Agradeceram a Deus numa prece coletiva, e depois as luzes desapareceram. São chamadas de fogo de Santelmo ou Corpo Santo. Com o raiar do dia o tempo melhorou, e um vento favorável soprava. Concluímos que as luzes deviam significar um milagre divino Navegávamos, agora, com um vento favorável, e avistamos, 84 dias depois de termos isto terra pela última vez, em 28 de janeiro de 1549, um morro no Cabo de Santo Agostinho.

Oito milhas depois alcançamos o porto de Pernambuco, onde os portugueses estabeleceram um povoado chamado Olinda. Entregamos os prisioneiros ao comandante do lugar, Duarte Coelho. Também descarregamos algumas mercadorias que por lá ficaram, resolvemos nossos afazeres no porto e quisemos seguir viagem em busca de novo carregamento.

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