Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura – A Organização das Fazendas

O surgimento de alguma espécie de cultura de exportação era essencial para a manutenção de um sistema social baseado na grande propriedade. Se não houvesse uma cultura econômica que produzisse suficiente lucro para atrair capital, sem dúvida as sesmarias se teriam fragmentado dentro de poucas gerações e nunca se teriam introduzido escravos.

Foi o que ocorreu em outras áreas onde não eram viáveis culturas econômicas. Por outro lado, na extremidade oeste do Vale do Paraiba, onde as sesmarias se tinham desmembrado um século antes, as propriedades rurais, mais uma vez, se concentraram com a chegada da cana-de-açucar e dos escravos, na década de 1770. Era inevitável que os fazendeiros procurassem mercados no exterior. A população brasileira era rural e auto-suficiente, e as poucas vilas ofereciam uma
fraca demanda por produtos agricolas. A economia interna faltava capital, exceto a taxas de juros altíssimas. Para comprar escravos – o elemento mais caro na organização de uma fazenda — necessitavam-se frequentemente de divisas. Portanto, o Oeste Paulista continuou até o
séc. XIX com o regime de lavouras que os portugueses tinham instalado no litoral brasileiro cerca de 300 anos antes.

Nas lavouras de Rio Claro cultivou-se cana, nos primeiros 30 anos. Os proprietários das sesmarias originais e a maioria das pessoas a quem eles venderam partes de suas terras eram membros de familias que plantavam cana na região de Itu e Campinas. De fato, eles estavam transferindo suas operações de uma região para outra. O açúcar, no entanto, não era uma cultura com perspectivas muito promissoras.

O comércio moribundo tinha sido mantido durante séculos pelos fazendeiros do nordeste, e mais tarde pelos das terras baixas a leste da província do Rio de Janeiro e pelos do litoral de São Paulo, a leste de Santos. Os fazendeiros do planalto não possuiam capital e não podiam nem ao menos acompanhar as técnicas retrógradas dos engenhos da costa, e tinham de pagar custos mais altos de transporte.

Todavia, tinham algumas vantagens: o solo era extraordinariamente fértil, havia lenha em estoques inesgotáveis para alimentar as caldeiras e amplas pastagens para os animais empregados para puxar carroça ou mover as moendas. A cultura do açúcar exigia mais da terra do que a agricultura predadora dos caboclos. Era preciso deixar a terra repousar de cada três a dez anos, e em geral ela era abandonada definitivamente depois de vinte. Assim, os fazendeiros eram quase tão itinerantes como os caboclos, limpando e queimando tratos de terra cada vez maiores, até que se tornasse preciso adquirir novas terras virgens. Esse regime era, apesar de tudo, “econômico”, pois a grande escassez de mão-de-obra e de crédito tornava impraticável despender qualquer esforço na preservação da fertilidade do solo.

A cultura do açúcar, encorajada pelas autoridades reais, por volta de 1750, começou nos solos negros de Itu, na década de 1770, estendera-se até os solos vermelhos de Campinas. Em 1818, havia 60 engenhos na região, e metade da população de 6 mil pessoas era constituída de ESCRAVOS, uma geração mais tarde, Piracicaba substituia Campinas como a fronteira da exploração açucareira. Em 1816, havia ali 18 engenhos, e 12 outros estavam em construção. Em 1822, haviam oito em Rio Claro, com mais três sendo construídos.

Em Rio Claro, nunca surgiu a classe de fornecedores de cana para usineiros

Os engenhos eram bastante caros. Instalar um engenho movido por animais, com o necessário equipamento, custava mais do que legalizar a própria sesmaria, e um engenho movido a água poderia custar dez vezes mais. Só era possível manter lucrativo um engenho se uma grande quantidade de cana – mais do que família era capaz de produzir – o alimentasse constantemente. O governo da colônia procurou assegurar, depois de 1802, a viabilidade dos engenhos existentes, restringindo a construção de novos. Por todas essas razões, a cultura da cana-de-açucar só podia ser tentada pelos que tivessem vasto capital, muitos escravos e a posse de largas porções de floresta virgem. Em Rio Claro, nunca surgiu a classe de fornecedores de cana para usineiros. Ao contrário do que ocorria no Nordeste, onde havia numerosos rendeiros e cultivadores sem engenhos, em São Paulo quase toda a cana era cultivada pelo proprietário do engenho, em suas terras e com seus escravos. Sem dúvida, esta exclusividade se devia a pequena capacidade dos engenhos de Rio Claro — apenas três dentre eles, em 1835, produziam mais de mil arrobas (14,7 toneladas métricas).

Os canaviais continuaram a expandir-se na região de Itu, Parnaiba e Piracicaba, enquanto em Campinas os fazendeiros passavam para o cultivo do café. O apogeu do ciclo do açúcar foi alcançado em Campinas por volta de 1836, quando 93 engenhos produziram 2.320 toneladas métricas de açucar. Em 1854 restavam apenas 44 engenhos, que produziam 910 toneladas. Rio Claro seguiu o exemplo de Campinas. O máximo de sua produção provavelmente foi atingido antes de 1853, quando se produziram 522 toneladas (Tab. 2.1). Depois de 1862, o açúcar foi cedendo passo ao café. Segundo um relatório de 1873, o municipio chegou ao ponto de não produzir nem para suas próprias necessidades. O ciclo da cana-de-açúcar em Rio Claro foi claramente subcapitalizado e especulativo, Os fazendeiros de Rio Claro financiavam a produção local com o que ganhavam nas propriedades de Campinas e Itu. A exaustão das florestas e do solo em regiões mais antigas teria, com o tempo, transformado a região numa área canavieira importante, mas então já o café substituira a cana.

O balanço dos donos de uma das maiores lavouras canavieiras aponta um lucro modesto, na verdade um prejuizo, se computarmos a depreciação e os juros (Tab. 2.2). A fazenda de Palmeiras cobria 254 alqueires (615 hectares). A família possuia 1670 mil-réis em bens pessoais e uma loja na cidade que valia outros 1000, o balanço registra 1324 mil-réis em açucar estocado. Provavelmente tratava-se da safra do ano todo, apesar de que uma parte talvez já estivesse vendida; um relatório de 1854 revela que essa fazenda produzia mil arrobas de açucar, o que na valia 1440 mil-réis. Como o engenho também podia produzir aguardente, talvez se possa acrescentar outros 200 mil-réis àquela quantia.

A produção por escravo em Palmeiras era de apenas 40 arrobas, igual à média de todas as lavouras em Rio Claro em 1822 e 1835. Acrescermos em Saint-Hilaire, o botânico francês que visitou a região em 1818, a média deveria ser de cerca de 100 arrobas. É possivel que as fazendas de Rio Claro fossem muito menos produtivas do que as de Campinas, ou talvez Saint-Hilaire estivesse considerando tão-somente o trabalho dos escravos diretamente ocupados com a produção açucareira, enquanto em Rio Claro mais da metade da mão-de-obra servil cuidava de culturas de subsistência e outras.

Palmeiras, então, produzia menos de 7 por cento do investimento fixo. Os escravos e o equipamento deveriam ser amortizados em 20 anos, depreciando em média 685 mil-réis por ano. Diversos fazendeiros da região deviam à família 3400 mil-réis, mas, por sua vez, ela devia a outros, na maior parte, parentes, a soma fantástica de 18.600 mil-réis. Juros sobre a divida líquida deveriam subir a mais de 2000 mil-réis. Surpreendentemente, Carvalho ainda era o dono da Palmeiras em 1862, segundo outro relatório que mostrava ter ele mudado para o cultivo de café. A essa altura, todas as oito fazendas que ainda plantavam cana também cultivavam café; para todas, tornara-se uma atividade paralela relativamente sem importância.

A coffea arabica em Rio Claro

A coffea arabica fora introduzida no Brasil nos começos do séc. XVIII, por volta de 1790, a exploração comercial da planta era bem sucedida nas encostas préximas ao Rio de Janeiro. Em 1830, os cafezais cobriam vastas áreas do Vale do Paraiba, atravessando os limites da província de São Paulo e alcancando Jacareí. Não é dificil compreender por que a cultura do café substituiu a da cana-de-açucar nas grandes propriedades. Em primeiro lugar, a demanda mundial de café era bastante mais acentuada do que a do açúcar em quase toda a primeira metade do séc. XIX. Além disso, os custos de produção eram um pouco mais baixos. O café exigia menos mão-de-obra. Ainda que a colheita e o beneficiamento das duas culturas necessitassem mais ou menos do mesmo trabalho, a cana tinha de ser replantada a cada três anos, geralmente, enquanto um cafeeiro poderia durar 30 ou 40. Ainda que os pés de café pudessem ser tratados com maior cuidado, eles vicejavam nos mesmos solos adequados para a cana, com relativamente poucos cuidados por parte dos fazendeiros. Finalmente, o café resultava em maior margem de lucro, afora o custo do transporte até o porto de Santos. Seu valor por quilo era superior, e era menos sujeito a deterioração no processo de transporte.

Sementes vindas do Rio de Janeiro tinham sido plantadas em Campinas já em 1817, e em Limeira, na plantação Ibicaba, de Vergueiro, em 1828. Outros fazendeiros, ao que parece, adquiriram mudas desses primeiros plantios, depois de alguns anos. Antônio Paes de Barros e Joaquim José de Andrade possuiam pés em produção em 1833. Essas primeiras plantações, porém, foram consideradas por muito tempo uma experiência, ou mera curiosidade. Somente após 1840 se deu início ao plantio em larga escala de café no Oeste Paulista, de Campinas até Rio Claro. Os fazendeiros convenceram-se da viabilidade do seu cultivo em 1841, quando um frio acentuado na região comprovou que à planta era pelo menos tão resistente quanto a cana em altitudes muito superiores a do Vale do Paraiba. Em meados da década de 1840, o declínio generalizado dos preços de exportação levou os fazendeiros distantes do litoral a preferir o café ao açucar. Apesar de já terem sido publicadas pelo menos seis obras sobre o cultivo do café no Rio de Janeiro antes de 1850, tendo sido a primeira em 1813, aparentemente os fazendeiros de Rio Claro tomaram conhecimento da planta em visitas as plantações no Vale do Paraiba, e passaram a informação adiante para amigos e parentes.

O exemplo da província do Rio de Janeiro não era suficiente, porém, pois o clima e os solos do Oeste Paulista ofereciam muitas diferenças. Os melhores solos para café estendiam-se ao norte e a oeste de Campinas. A terra decomposta gnáissica e granítica da região contém elementos nutritivos em baixa concentração, porém é profunda e muito porosa. Com as chuvas de verão, o humus superficial decompõe-se rapidamente, impregnando a espessa camada superior. Os cafeeiros estendem suas raízes por dez ou vinte metros desse solo, antes de atingir a rocha. O fato do terreno ser ondulado constitui uma vantagem, pois a drenagem é mais rápida. Esses solos possuem fertilidade muito variável, mas o fazendeiro precisava apenas aplicar alguns testes simples antes de decidir onde plantar. Ele se baseava em grande parte na cor. Os solos vermelhos eram os mais comuns e significaram fertilidade moderada. Quanto mais amarelo o solo, tanto maior a quantidade de argila e terra, e, portanto, menor o valor. Os de vermelho mais escuro são chamados terra roxa, sendo os mais ricos em óxidos de ferro, os mais férteis e procurados. A cor, todavia, não era um indício certo. Existem solos vermelhos chamados caranduva que são de baixa qualidade, e um solo amarelo, o massapé, de origem basaltica e granilica, que é quase tão fértil quanto a terra roxa.

Supunha-se que apenas as terras de antigas floresta eram adequadas para o plantio de café, e certas espécies de árvores eram consideradas padrões — sinal seguro de que o cafeeiro se daria bem no mesmo lugar. Pau d’alho. jangada brava e figueira branca eram tidas em alta conta. As vezes se deixava um pé de uma dessas drvores no meio da plantação, como prova para os vizinhos ou os compradores em potencial de que os cafeeiros eram fortes. Era indispensável evitar o plantio em zona sujeita à geada. Uma ou duas horas a temperaturas abaixo de zero secavam os ramos e reduziam a safra por vários anos, uma noite nessas condições destruiria os pés. Os fazendeiros, portanto, não plantavam em Zonas baixas, onde o frio se concentrava e noite e onde a umidade mais elevada aumentava o perigo. Altitudes acima de 600 metros eram consideradas seguras. Os padrões eram tão sensíveis ao frio quanto o cafeeiro e, portanto, constituiam dupla prova de localização favorável. Outras árvores mais resistentes eram sinais de solo frio que deveria ser evitado.

Não era necessário derrubar novas florestas a fim de dar inicio ao cultivo imediato do café. Havia muita terra limpa e capoeira após quase um século de agricultura de subsistência e uma geração de cultura de cana, tendo em vista o enorme consumo de madeira pelos engenhos. Além disso, os fazendeiros relutavam em plantar calé em terras ainda muito exuberantes, que seriam logo recobertas de ervas daninhas. Assim, plantavam primeiro milho em terras recém-limpas, o que pedia pouca atenção, mesmo em meio aos troncos caídos e queimados. Esperava-se que o mato cobrisse de novo a terra, depois de algumas estações. Após uma segunda queimada, procedia-se finalmente ao plantio do café. Apesar dessas normas de ordem prática, uma alta proporção de cafeeiros de Rio Claro foram plantados em terras inadequadas, do que redundou vida produtiva breve. É possível que isso resultasse da pressa e da especulação, mas é mais provável que se devesse ao fato de Rio Claro pertencer a primeira geração de plantadores de café e possuir uma variedade grande demais de condições de solo. O plantio, portanto, era experimental e arriscado. De qualquer maneira, algumas lavouras estabelecidas as sombras das escarpas nas terras mais a Oeste e ao norte da região nunca prosperaram e acabaram sendo abandonadas.

Quando os preços estavam em ascensão e o fazendeiro não dispunha de muita mão-de-obra, o plantio era feito com sementes, mas a longo prazo colhiam-se melhores resultados com o transplante de mudas cultivadas num claro aberto na floresta, protegido do sol forte. Às vezes fazia-se uma sementeira muito concentrada, mas era mais comum retirar-se mudinhas que tinham crescido na plantação e levá-las para o viveiro na floresta, onde eram deixadas por um ou dois anos. No começo da estação chuvosa, as mudas de várias idades eram retiradas uma a uma ou em grupos, para o replantio. Abriam-se covas formando um quadrado ou losango, na distância de 15 ou 16 palmos. Três ou quatro mudas eram colocadas numa cova, parcialmente reenchida de terra. O cafeeiro, chamado pé, era, pois, na verdade, uma moita, cada uma das quais era parcialmente protegida contra o sol mediante uma cobertura feita de pés de milho, pedaços de madeira ou casca de árvare. Em três ou quatro anos os arbustos alcançavam altura de até quatro metros e começavam a produzir. Nesse interim a plantação tinha de ser mantida limpa de ervas daninhas, mas o trabalho era compensado plantando-se milho entre as filas de café.

O custo da formação de um cafezal, por volta de 1850, pode ser estimado com base em dois relatórios enviados ao governo da província. O hectare de solo limpo custava 40 mil-réis, a metade do preço referindo-se ao custo dos trabalhos de limpeza. Um hectare acomodava 920 pés, portanto custava 4350 mil-réis a terra necessária ao plantio de 100 mil pés. Custava muito mais plantar e tratar dos pés até a maturidade. Os quatro anos de trabalho somariam 35.450 mil-réis. Terreiros de secagem e equipamento de beneficiamento para uma lavoura desse tamanho custariam cerca de 10.000 mil-réis. A esses gastos devem ser acrescidos os juros anuais de 15 por cento sobre o custo da terra e das melhorias. O custo total da mudança de uma lavoura de cana para café, com alguma folga para despesas menores, elevar-se-ia a cerca de 50.000 mil-réis (§32,500) para 100 mil pés. Compare-se com o inventário da fazenda de Boa Vista de Passa Cinco (Tab. 2.3), cuja lavoura foi avaliada nesse montante. Em 1859, havia cerca de 2,6 milhões de pês em Rio Claro; por conseguinte, nos primeiros dez anos de exploração comercial, cerca de 1.300.000 mil-réis (§845,000) tinham sido transferidos para café.

Parte dessa soma representava reinvestimento de lucros do açúcar. De 1845 a 1854, os fazendeiros de Rio Claro venderam cerca de 6 mil toneladas de açucar por aproximadamente 400,000 mil-réis, excluidos o transporte e as comissões. Não era grande a parcela dessa quantia disponível para as despesas de conversão, pois as despesas normais e o serviço das hipotecas eram bastante altos, particularmente tendo em vista a necessidade de abandonar os engenhos existentes e de eliminar as plantações de cana. Trinta e nove hipotecas e testamentos homologados de 1850 a 1859 apresentam alguma indicação da origem do restante do capital (Tab. 2.4). Deve-se ressaltar que a garantia das hipotecas quase nunca era terra, mas escravos. Os prestadores preferiam escravos como garantia, provavelmente por constituirem uma forma de capital muito mais liquida. Não se pode presumir que o total de 886.900 representasse mais da metade dos hipotéticos 1.300.000 mil réis mencionados anteriormente, pois uma parte destinava-se a pagar outro tipo de equipamento, os escravos. De fato, como muitos contratos de hipotecas teriam sido registrados em São Paulo, Santos e mesmo no Rio de Janeiro, a dívida total não pode ser calculada. Os contratos registrados em Rio Claro certamente ressaltam demasiadamente o significado dos credores locais.

É claro, todavia, que a entrada indireta de capital do exterior, presentado pelos empréstimos dos exportadores, era essencial para a implantação dos cafezais no Oeste Paulista. A importância do capital estrangeiro para a adoção do cultivo do café na área pode também ser deduzida de outras circunstâncias. Antes de 1828, Santos destinava quase todos os seus embarques para o Rio de Janeiro, onde comerciantes portugueses revendiam os produtos para exportadores. Somente em 1848, o Rio de Janeiro deixou de servir como entreposto, quando exportadores ingleses e alemães estabeleceram-se em Santos. Sem dúvida a presença destes estimulou a demanda pelo café e o abandono do açucar, um produto que suas matrizes nacionais preferiam comprar em outros lugares.

O trabalho de limpar o terreno, plantar e cuidar dos pés até a maturidade poderia ser feito pelos proprios escravos ou agregados do fazendeiro, mas em geral era contratado com empreiteiros que possuíam turmas de escravos. O fazendeiro precavia-se contra o sério risco de ter seu investimento liquidado pela geada ou por insetos. Os pés mortos tinham de ser substituídos pelo empreiteiro, e o fazendeiro só pagava pelos pés adultos recebidos, e não pelo trabalho despendido, as vezes os empreiteiros eram homens livres que faziam contratos individualmente ou com parentes. É provável que fossem, como os empreiteiros proprietários de escravos, oriundos de regiões menos favorecidas como o centro de Minas Gerais, agregados que tinham sido despedidos de propriedades em decadêcia. Em alguns casos parece que os que possuíam escravos eram antigos proprietários falidos, em outros, herdeiros de escravos que não possuiam terras. Foram localizados contratos para o plantio de mais de um milhão de pés por empreiteiros, os quais trouxeram mais de 332 escravos para o municipio.”

Se eles foram para Rio Claro com a esperança de adquirir as suas proprias plantações, estavam enganados. O contrato tipico livrava-os de alguma antiga divida contraída em outro lugar e oferecia-lhes um significativo adiantamento, as vezes igual a metade do valor dos escravos. Em troca, hipotecavam os escravos como garantia do cumprimento do contrato. O fazendeiro fornecia moradia, sementes e as instruções relativas ao alinhamento das fileiras. Era permitido o plantio de culturas de subsistências entre os cafeeiros, e se fornecia uma área extra para pastagem. Ao final do contrato, em geral de quatro anos, o empreiteiro recebia certa quantia por pé, e uma menor por pé replantado. Também se concedia que o empreiteiro conservasse os frutos que tivesse colhido no último ano, quando alguns dos pés talvez tivessem atingindo a maturidade.

Os contratos firmados na década de 1860 não parecem ter permitido que os empreiteiros acumulassem o suficiente em quatro anos para pagar o principal, muito menos para tirar algum lucro. Por exemplo, quando Jodo Baptista do Prado empreitou 40 mil pés na propriedade de Antônio José Vieira Barbosa em 1864, com um adiantamento de 8000 mil-réis com a garantia dos seus 12 escravos, foi feito um calendário de pagamentos que não poderia ter excedido os 16.000 milréis, e seria de apenas 14.000 se ele sofresse uma perda anual de não mais que 5 por cento dos pés. Por outro lado, seus escravos tinham de ser vestidos e talvez uns poucos tivessem de ser repostos. Não é de surpreender que nenhum dos 22 empreiteiros que assinaram contratos locais tenham adquirido propriedade no municipio.

O fazendeiro passava a tomar conta dos cafezais formados com os seus escravos, que se organizavam em turmas, ou eitos, sob a direção de feitores. Durante a estação chuvosa, desde a primavera até o principio do outono, o solo tinha de ser capinado várias vezes para arrancar as pragas que competiam com os cafeeiros pela umidade, e para soltar a terra de modo que o máximo de água da chuva pudesse ser absorvido. Quando havia pessoal suficiente, eram feitas três ou quatro capinas, senão apenas duas, substituindo-se uma pela simples secadura das ervas, operação à que se chamava “coroar”, pois os detritos da sega eram afastados de cada moita com o ancinho, formando circulos limpos to redor de cada pé. Assim se preparava a colheita, que começava em abril ou maio, quando o tempo se tornava fresco e seco. À colheita era tão descuidada quanto a capina, o apanhador limpava todo o galho de uma só vez, deixando tanto os frutos estragados quanto os maduros e os verdes, indiscriminadamente, cair ao solo, onde outros escravos tinham estendido panos para recolhe-los. As folhas e os ramos eram retirados dos panos, ou jogados fora quando se peneiravam os frutos. Dessa maneira, um trabalhador conseguia colher até 250 litros por dia.

Pouco mais se fazia para garantir a produtividade das plantas, a falta de capina e o descuido na colheita obviamente reduziam a safra, mas o cafeicullor, sempre carente de capital de giro, não tinha outra escolha. Os únicos trabalhadores qualificados eram os feitores, os carroceiros e, as vezes, os podadores, que eram empregados depois das geadas, a fim de remover os galhos queimados antes que eles matassem o resto do pé. Alguns sabiam exterminar a saúva, que em suas redes subterrâneas atacavam as raizes. Nada se fazia para fertilizar a lavoura, exceto devolver, depois da colheita, os detritos de volta a base das moitas, a titulo de cobertura.

O beneficiamento do café para o mercado era complexo e demorado, sendo o único estágio da produção ao mesmo tempo trabalho- intensivo e capital-intensivo. O primeiro passo era remover terra, folhas e frutos maduros demais, pela lavagem do café. Então os frutos eram despejados ao longo de valetas até o terreiro de tijolos, onde o café era posto a secar. O grão do café é envolto por uma casca externa, uma polpa e outra pele mais fina. A secagem se prolonga até que a polpa e à casca estejam suficientemente para serem partidas com facilidade. Por vários dias ou mesmo semanas os frutos no terreiro eram revirados duas ou três vezes por dia e empilhados a noite para protegê-los do orvalho.

A falta de chuva nos meses de inverno e, desde este ponto de vista, uma grande vantagem, quando uma tempestade fora de época ameaçava, os trabalhadores corriam para ajuntar com o rodo os frutos parcialmente secos e recobri-los com pedaços de oleado ou feixes de palha. Os fazendeiros prolongavam de boa vontade o período de secagem, procurando desse maneira provocar uma ligeira fermentação no interíor da casca, o que melhorava a cor e a qualidade do grão. Quando os frutos estavam completamente secos, eram descascados a máquina. Havia vários tipos de equipamento mecânico para descascar, sendo talvez os mais comuns o pilão, movido a dgua, e a ripa ou carretão, duas rodas que giravam sobre uma base de madeira e que, em geral, utilizavam a forga animal. Depois das cascas sopradas por ventiladores mecânicos, os grãos eram espalhados sobre mesas ou no chão do depósito, e selecionados manualmente.

Este método não apenas desperdiçava mão-de-obra como produzia resultados incertos, portanto os cafezistas estavam dispostos a investir muito capital na sua mecanização. No começo da década de 1850, foram patentiadas máquinas que removiam a casca antes que o fruto estivesse seco, o que era muito vantajoso, pois permitia controlar melhor a fermentação e reduzia o tempo de secagem. Simultaneamente, possibilitavam uma qualidade mais homogênea, pois descartavam os frutos verdes colhidos junto com os maduros. Depois da polpa lavada e dos grãos secos no terreiro, um segundo descascador era utilizado para remover a pele interna, o qual funcionava em tandem com ventiladores e selecionadores mecânicos, todos movidos a água ou vapor, o que eliminava a maior parte do restante do trabalho manual e melhorava enormemente a qualidade comercial do produto. A instalação do novo equipamento era muito caro, segundo um relatório de 1875, 20.000 mil-réis, estimativa confirmada por inventários. Nessa época, três dos agenciadores de café da cidade tinham instalado descascadores mecânicos, aos quais os fzendeiros menores eram obrigados a recorre.

O café permaneceu como a principal cultura desde os anos de 1850 até os de 1930. Em 1854 foram colhidas mais de mil toneladas, e em 1901 foi atingido o apogeu, com a produção de quase 15 mil toneladas (Tab. 2.5). O café foi momentaneamente ameaçado pelo algodão em fins da década de 1860, durante a dificuldade temporária atravessada pelo sul dos Estados Unidos. Mais de 30 fazendeiros locais cultivavam algodão em 1873, mas não se conservaram registros das técnicas, produção e comercialização do mesmo. Ao que parece, o plantio em larga escala não se tornara ainda rendoso quando diminuiu a passageira especulação.

As fazendas de Rio Claro eram quase auto-suficientes quanto a alimentos, materiais de construção, animais de tração e alguns artefatos. Apesar de que a escassez crônica de escravos tentasse os fazendeiros a se concentrarem no café, o mercado era demasiadamente reduzido para suprir as necessidades das fazendas sem um aumento elevado dos preços. Em Rio Claro o preço do milho e do feijão dobrara entre 1850 e 1856, em parte devido a menor auto-suficiência dos fazendeiros que se tinham subitamente voltado para o café. Todavia, as fazendas não eram muito diversificadas. Além do milho, feijio e arroz, em geral mantinham algumas vacas junto com cavalos e mulas, e as vezes cabras e ovelhas. Plantava-se um pouco de cana, ao menos para fazer caldo e aguardente. Cultivava-se algodão, que era fiado e tecido pelos escravos, mas por volta de 1870 o mais comum era comprar produtos ingleses por jardas. As propriedades maiores com frequência possuiam serrarias e moinhos movidos pela mesma força hidráulica ou vapor que propulsionava os descascadores de café. Em Rio Claro existem algumas jazidas de cal e argila, e alguns fazendeiros tinham fornos e olarias, em geral arrendados, que supriam a cidade e o resto do municipio.

A cidade, por sua vez, fornecia às fazendas alguns produtos manufaturados, arreios, carroças e outros trabalhos de carpintaria e ferro batido. O restante dos suprimentos das fazendas era em geral importado — ferragens para construção, arame farpado, enxadas e machados, material de cozinha, remédios e queresone. Os pequenos proprietários provavelmente vendiam algum milho para as fazendas, mas não regularmente. Aparentemente eram os principais fornecedores da carne de porco salgada consumida nas fazendas, mas raramente ali produzida.

Rio Claro constituia, por volta de 1850 e 1860, o último limite do cultivo rendoso do café, mais além o custo do transporte até Santos absorvia uma parcela grande demais do preço de venda. As estradas aaté Santos eram meras veredas, no maximo com dois metros de largura, e que não podiam ser percorridas por veiculos de rodas. Numerosos corregos tinham de ser vadeados ou atravessados em barcos pouco seguros; o café do Oeste Paulista, portanto, tinha de ser transportado em lombo de mula. Cada uma carregava de 120 a 150 quilos. Em tropas de mais ou menos 10 animais, levavam 10 dias para chegar a Santos. A viagem era dificil; observadores viram mulas atoladas até a barriga, e carcaças e cargas deterioradas ao longo das estradas. Como uma mula de carga não podia fazer mais de seis viagens em cada safra, o café produzido em Rio Claro deve ter empregado cerca de 3 mil mulas por volta de 1860, quando a produção do municipio era de 2 600 toneladas.

E não havia muitas e disposição, um fazendeiro queixava-se à Câmara Municipal, em 1857, de que a colheita de dois anos estava parada nos seus depdsitos porque não conseguia mulas, o que “o perturbava enormemente”. Uns poucos cafezistas possuiam suas próprias tropas; o mais comum, porém, era adiantarem dinheiro a arrieiros independentes, em troca da exclusividade no uso dos seus animais. Isso era mais fácil para os grandes plantadores, outro fator a favorecer a concentração no setor da exportação. Uns poucos contratos registrados em 1859 mostram que essa forma primitiva de transporte custava cerca de 1,60 mil-réis por arroba de Rio Claro até Santos, ou seja, 0,43 mil-réis por tonelada/quilometro. Como o café era vendido no porto por uma média de 5,00 mil-réis a arroba (1858 a 1860), as tropas de mula representavam cerca de um terço do preço de venda para o plantador.

É óbvio que a margem seria aumentada em muito, se as estradas pudessem ser melhoradas. Mas o governo provincial mal conseguia manter o precário sistema de trilhas. Custava quase 10 000 mil-réis a manutenção das que ligavam Rio Claro a outras cidades – Limeira e Piracicaba ao sul, Descalvado ao norte, São Carlos e Brotas a noroeste, através de Itaqueri. Os reparos eram da responsabilidade imediata dos proprietários locais, que tinham de destacar escravos e agregados para a corvéia, mas os materiais e a parte de engenharia eram pagos pela província.

Tudo 1550 era tão mal executado que a Câmara se queixava continuamente: “Alguns consertos se tem feito, que apenas produzem beneficios muito ephemeros”. Os fazendeiros do Oeste Paulista pressionavam fortemente o governo da provincia no sentido de uma estrada carrocível que substituisse os caminhos de mulas. Uma carroça puxada por quatro mulas poderia carregar o mesmo que 20 mulas, na metade do tempo. Antônio Paes de Barros propôs uma estrada nessas condições, que se estendesse até Rio Claro, e os fundos foram autorizados em 1851. Parece, todavia, que o projeto estava além da capacidade da província. Os reparos na estrada que cortava a serra litorânea absorviam a maior parte da receita recolhida nas estradas postais. Muito melhorada na última década do séc. XVIII, aquela estrada foi reparada ainda duas vezes antes da reconstrução geral que teve lugar entre 1841 e 1846.

Os fundos distribuidos para a estrada carroçável, portanto, foram gastos num quinto conserto da estrada da serra, entre 1856 e 1864. O empreiteiro dessa obra foi José Vergueiro, filho de Nicolau. O alargamento da vereda até Campinas finalmente foi feito algum tempo depois de chegar à Jundiai a primeira estrada de ferro, aparentemente depois que começara o prolongamento da estrada até Campinas. A economia de exportação de Rio Claro, depois de 50 anos de meios de transporte primitivos, saltava quase que diretamente para a era da ferrovia.

Rio Claro Railway

Em 1865, uma estrada com bitela de 1,6 m, de propriedade britânica, foi inaugurada entre Santos e a capital. Em 1868 foi estendida até Jundiaí. Quando a companhia não se mostrou disposta a usar a sua opção para continuar a estrada até Campinas e Rio Claro, um grupo de fazendeiros assumiu o encargo. Entre eles havia 22 com lavouras em Rio Claro, inclusive o conde de Três Rios, a familia Vergueiro e o visconde de Rio Claro. O levantamento do capital foi atrasado pela guerra do Paraguai, mas a Companhia Paulista de Estradas de Ferro trouxe a linha férrea até Campinas em 1872, forte pressã de Rio Claro e Limeira forgou a companhia a estender seus trilhos até Rio Claro, e a seção completou-se em agosto de 1876, ao custo de 5,8 milhões de mil-réis. Dai por diante a Paulista procurou cortar na direção leste, à fim de competir com sua rival, a Mogiana. Quando se instalou um governo Liberal em 1878, o conde de Pinhal, chefe de São Carlos, e seu sogro, o visconde de Rio Claro, conseguiram do Ministério a aprovação de um traçado que cortava as terras do visconde em Ajapi e Cuscuzeiro (Analândia).

A Paulista, desafiada a executar o projeto, desistiu. Seus diretores desejavam uma linha diferente para o oeste, que te- ria levado a área de privilégio da companhia até Brotas e Jaú. Em resposta, o conde de Pinhal organizou uma companhia própria, com grande participação do visconde e seus filhos e outros fazendeiros de Rio Claro. Essa linha, com bitola de 1,0 m, foi aberta ao tráfego em 1881. O conde de Pinhal não tinha interesse especial em operar a ferrovia, ainda que fosse tão rendosa quanto a Paulista, vendeu-a a uma companhia britânica, que a revendeu a Paulista dois anos depois com um lucro fabuloso.

Em 1914, a Paulista construiu uma ferrovia com bitola de 1,6 m segundo o traçado desejado originalmente, mas continuou operando a rota de bitola estreita por muitos anos. A Companhia Rio Claro foi, fora de dúvida, o maior empreendimento jamais tentado pelos fazendeiros de Rio Claro. A linha que seguia até São Carlos custou quase 2,5 milhões de mil-réis, e não contava com um lucro garantido pela província. O empenho politico necessário para obter a aprovação do traçado foi imenso, sendo de crucial importância para a maioria dos fazendeiros ao norte do centro da cidade, pois o traçado da Paulista, apesar de mais curto e mais plano, atravessava terras pobres, a evidente ligação dos Conservadores locais com os objetivos da Paulista levou-os ao descrédito e permitiu o controle Liberal até os primeiros tempos da República.

A ferrovia reduziu o custo do transporte do café, mas não muito. Em 1884 a tarifa elevou-se a 0,81 mil-réis por arroba, ou 0,20 mil-réis por tonelada/quildmetro até Santos. O carreto e o carregamento, porém, podiam dobrar essa importância, dependendo da distância da fazenda até a estação. Em 1862 escrevia-se que os fazendeiros de Rio Claro estavam pagando de transporte, quase um quarto de suas vendas em bruto. A estrada de ferro favorecia a manutenção da concentração da propriedade. A influência politica decidia a localização das estações; tanto o visconde de Rio Claro como o conde de Três Rios tinham os seus próprios desvios. As companhias tinham a garantia de um lucro de 12 por cento, antes que a província pudesse agir no sentido de baixar as tarifas. Portanto, todos os fazendeiros principais, que tinham investido largamente nas ferrovias, recebiam rendimentos altamente garantidos que constituiam, na verdade, uma espécie de abatimento. As companhias em geral davam preferência aos acionistas nos contratos para suprimento de madeira para dormentes, combustível ou outros suprimentos.

As linhas férreas eram essenciais para a expansão da lavoura cafeeira. O uso de mulas não era apenas caro, mas impraticável. No último ano antes da estação de Jundiai iniciar operações, mais de meio milhão de mulas passara a barreira do pedágio em Santos. Os fazendeiros já não precisavam pagar tarifas mais altas para o transporte quando a safra era abundante, e estavam livres da necessidade de financiar os tropeiros e de lhes ceder pastagens. A ferrovia ampliou o
comércio de outros bens e reduziu até a capital de uma semana para um dia. Rio Claro era tanto um terminal ferroviário como uma junção entre linhas de diferentes bitolas, e por isso assumiu outras funções comerciais adicionais, mas a ferrovia também permitiu a créscente concentração de funções urbanas em São Paulo. A capital da província cresceu rapidamente, em comparação com outras cidades ao longo das linhas férreas, de 1872 em diante.

À politica local ficou abandonada nas mãos dos boticários

À estrada de ferro transformou a operação das fazendas. Antes, o traslado era tão demorado e as comunicações tão precárias que se tornava muito difícil para um mesmo proprietário supervisionar duas ou mais lavouras um pouco distantes. Os fazendeiros do Rio Claro viviam nas próprias terras ou na cidade, onde muitas de suas mansões, imponentes sobrados, foram construidas no começo da década de 1870. A ferrovia trouxe a capital da província a menos de um dia de viagem de Rio Claro, e oferecia, além de serviços telegráficos, serviços postais diários. Nas duas décadas seguintes os fazendeiros partiram, deixando cair em ruínas as casas da cidade.

À politica local ficou abandonada nas mãos dos boticários, donos de armazém, escrivães e outras pessoas de destaque da classe média local. As lavouras maiores foram entregues a administradores contratados. Os fazendeiros mais ricos chegaram a possuir cadeias de propriedades, todas supervisionadas de suas mansões em São Paulo. O administrador enviava diariamente pelo correio seus relatórios ao proprietário, numa forma que parece ter sido padronizada. Primeiro, um registro das atividades do dia anterior, inclusive todas as despesas. Segundo, uma cópia do diário, que registrava os nomes dos trabalhadores, o trabalho executado por eles e doenças.

Finalmente, a descrição do trabalho a ser feito no dia seguinte. Em geral o administrador mantinha uma conta corrente das despesas e receitas do café. O proprietário conservava usualmente uma via das contas – não necessariamente por partidas dobradas – copias de contratos e das instruções enviadas ao administrador, as quais aparentemente resumiam-se a indicações a respeito de pessoas a quem deveriam ser feitas cobranças ou enviadas remessas de café.

O café de Rio Claro era mandado a comissários em Santos, para venda a exportadores de Santos ou do Rio de Janeiro. Em Rio Claro, Nicolau Vergueiro e Manuel Rodrigues Jordão, dois dos maiores fazendeiros, eram principalmente comissários e exportadores, e muitos outros associavam-se às vezes a firmas de Santos. Outros possuiam relações de parentesco, de sangue ou por casamento, com os comissários com os quais tratavam. Havia pequenos comissários na cidade que aceitavam embarques menos importantes, em geral dos plantadores menores, que não possuíam equipamento beneficiador. Os comissários de Santos contavam com muito mais recursos que mesmo os maiores fazendeiros, e tratavam sua freguesia com familiaridade e in- dulgência, frequentemente fazendo transações na qualidade de procuradores. Mantinham melhores registros do que os fazendeiros e estavam melhor informados a respeito do mercado.

Na época da colheita, o proprietário e sua familia vinham para uma ou mais de suas plantações, ou passavam temporadas em várias delas. Era dada maior atenção ao beneficiamento do café, e o estado das plantas e dos escravos era cuidadosamente verificado, Maria Paes de Barros escreve que sua mãe cuidava dos escravos numa clínica, uma atividade que a família considerava um ato de bondade e caridade mais do que de conservação do patrimônio ou compensação pelo trabalho. Os trabalhadores livres eram contratados ou demitidos ao final da colheita, pouco antes da volta da familia a cidade.

A influência de Rio Claro no Império

As casas da fazenda em geral eram simples e sem ornamentos, pois os proprietários preferiam decorar suas mansões em São Paulo. O sobrado da fazenda de SantaAna era provavelmente tipico. Fora construido em 1874 por um empreiteiro da cidade por 11 000 mil-réis, tendo o proprietário fornecido todo o material. Era de tijolo rebocado, com 53m de frente e 17 de fundo, e paredes internas de taipa. Os três saldes centrais possuiam lambris e assoalhos, mas o restante – cinco quartos e seis outras salas – era simplesmente rebocado, O mobiliário era bastante modesto até o final do século. Inventários dos anos por volta de 1850 e 1860 relacionam poucos objetos de uso doméstico de algum valor. O primeiro item é sempre a cama de casal, de jacarandá, simbolo de um patriarcado que se reproduzia por razões sérias; às vezes alguma prata, alguma jóia ou peça de ouro, e um relógio; pouca cultura, pois os fazendeiros não eram muito dados à literatura – “três livros, um de medicina caseira, uma obra de Jesus Cristo e Duas horas Marianna, as outras construções eram ainda mais cruamente práticas: depósitos, galpões para o beneficiamento, uma oficina, às vezes uma capela e uma clínica, e o quadrado, onde os escravos eram encerrados à noite, e que se compunha de um conjunto de cubículos ao redor de um pátio.

Jardins e arvoredo para dar sombra eram raros, mas às vezes havia um pomar de frutas citricas e uma horta para uso da familia. Na província do Rio de Janeiro o crescente mercado cafeeiro enriqueceu uma nova elite que chegou ao poder com o Partido Conservador, em fins da década de 1830. Em São Paulo tem sido dito que o latifúndio data do séc. XIX, com o cultivo do café. Realmente, o comércio do café traria muito mais riqueza do que o do açúcar, permitindo que outro grupo de fazendeiros ultrapassasse, por volta de 1880, a influéncia e o poder dos Conservadores do Rio de Janeiro. O grupo cafezista tornou-se mais estratificado (Tab. 2.6 mostra a concentração em 1860). Em Rio Claro havia uns poucos cujas posses excediam de muito a dos outros. Havia pessoas de influência na corte, detentores de cargos importantes, e que decidiam sobre a politica do império.

Entre eles, em Rio Claro, três dos mais importantes eram Antdnio Paes de Barros, José Estanislau de Oliveira e Nicolau Vergueiro. Em 1835 Antonio Paes de Barros possuía 73 escravos que trabalhavam em duas lavouras em Rio Claro. Era filho de um dos fazendeiros mais ricos de ltu, Antônio de Barros Penteado, cujo capital inicial viera da mineração do ouro em Mato Grosso.

Antonio Paes de Barros

Antônio Pais de Barros, primeiro barão de Piracicaba, (São Paulo4 de março de 1791 — São Paulo, 11 de outubro de 1876) foi um fazendeiro e nobre brasileiro.

Proprietário de terras em ltu e Piracicaba, além de Rio Claro, Barros tinha proeminência na politica da província. Fora enviado a São Paulo para as cortes revoluciondrias portuguesas de 1821 e participara no Conselho da província, após a independência. Entre seus irmios e cunhados havia um juiz de apelação, um barão, um senador e um marquês, e ele próprio em 1854, por seus serviços politicos, foi feito bardo de Piracicaba. Representante de uma nova elite provincial que emergira com a independência, Barros se dedicaria a rodovias, ferrovias e fábricas de algodão, além da cafeicultura. Sua primeira aquisição de terras em Rio Claro parece ter sido em 1823, quando comprou um lote da sesmaria dos Pereira, “quarto e meia de testado com meia legua de sertão””, ou seja, 816 hectares, por 600 mil-réis em dinheiro e “33 bestas brabas etc.”. O plantio da cana teve inicio nessa terra três anos depois. Em 1855 Barros possuia quatro lavouras vizinhas, ao leste da cidade.

José Estanislau de Oliveira

José Estanislau de Oliveira, primeiro barão de Araraquara[1] e visconde de Rio Claro[2] (São Paulo5 de março de 1803 — Rio Claro4 de setembro de 1884)

José Estanislau de Oliveira era também rico em terras, com honrarias e influência politica, mas sua posição social era um pouco inferior a de Barros. Enquanto este era herdeiro direto de uma familia aristocrática, Oliveira era o filho de um professor português que viera para Campos em 1785, casara com uma moça de familia importante do lugar e, ao morrer, tinha conseguido acumular terras e escravos no valor de 70 000 mil-réis. José Estanislaw, um dos quatro filhos, entrara para o exército, mas pedia reforma de sua comissão de alferes ao casar-se com a filha do médico da guarnição, alegando que o soldo era insuficiente para manter uma familia. Em 1836 comprou um lote de terra em Rio Claro, das sesmarias de Goes Maciel e da familia Lopes, mas que se encontravam então nas mãos de terceiros. Sem recursos para comprar escravos (diz-se que ele vendera o piano da mulher para comprar suas primeiras terras, ainda que ele deva ter recebido uma parte da herança paterna), Oliveira voltou para Campinas, onde comprou sal que trocou por mulas no mercado de Sorocaba, estas ele levou até Rio Claro, onde as vendeu a fazendeiros para o transporte até Santos. Depois de três anos dessas transações triangulares, tinha o suficiente para instalar sua lavoura. Em 1855 ele declarava que o trato original aumentara para três quartos de légua (3.267 hectares), além de ter uma reserva de 11.600 hectares em seu nome na parte do municipio que mais tarde seria Analândia. Ainda que Oliveira também recebesse mais tarde um titulo de nobreza — tornou-se Visconde de Rio Claro, em reconhecimento por sua liderança do Partido Liberal local — ele parece o perfeito burguês que se fez por si mesmo. Sem origens elevadas, não teve escrúpulos em se tornar comerciante e, depois de estabelecido em Rio Claro, tornou-se seu mais importante prestamista.

Nicolau Vergueiro

Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, mais conhecido como Senador Vergueiro (Vale da Porca, Macedo de Cavaleiros 20 de dezembro de 1778 — Rio de Janeiro17 de setembro de 1859)

O terceiro do mais importante fazendeiros de Rio Claro, Nicolau Vergueiro, representava outra fonte de capital diferente. Era um imigrante portugués que chegava a São Paulo em 1802 ou 1803, sem outro recurso senão um diploma de advogado. Profissionais como advogados, médicos e professores eram tão raros que seus títulos faziam com
que fossem imediatamente admitidos na mais fechada elite. Vergueiro era, na verdade, um dos dois advogados da capitania. Foi feito Juiz de Sesmarias em 1813 e conseguiu uma delas para ele mesmo em Piracicaba. Nos anos seguintes adquiriu outras propriedades em parceria com o comerciante mais rico de São Paulo, Brigadeiro Luis Antônio de Souza. Quanto a parceria se dissolveu em 1825, Vergueiro recebeu duas lavouras, no lado sul de Rio Claro, comprada em 1818 da sesmaria de Joaguim Galvão de Franga; a outra, ao norte da cidade, onde agora é Ajapi, foi comprada no mesmo ano da sesmaria de Goes Maciel. Ambas as propriedades foram aumentadas por compras posteriores. Em 1855, a fazenda em Ajapi, chamada Angélica, tinha quase três léguas quadradas (130 quildmetros quadrados). Ao mesmo tempo em que os sócios começaram a plantar cana, Vergueiro abriu uma agência em seu nome para exportar açúcar via Santos. Ele também era o maior comerciante de escravos da província. Esses negócios eram mais importantes para Vergueiro que as suas suas propriedades em Rio Claro e Limeira.

Vergueiro era um defensor entusiasta da independência. Acompanhou Paes de Barros as Cortes Portuguesas e, ao retornar, tomou parte na Assembléia Constituinte de 1823, Politico astuto, foi a principal figura do Partido Liberal e ocupou postos em todos os governos até 1842. Vergueiro interessava-se profundamente pelo problema fundamental da mão-de-obra e, como mostraremos, foi o primeiro fazendeiro no Brasil a testar a viabilidade do trabalho do imigrante na lavoura. É importante observar que Oliveira e Vergueiro tinham vencido pelos próprios esforços, mas até certo ponto. Ambos eram de familias abastadas que tinham podido dar-lhes uma educação ou ao menos um começo na vida. Também fora valiosa a ajuda recebida através das familias das suas mulheres, bem como dos casamentos dos filhos, pois, na verdade, todos os casamentos na elite eram arranjados. Além disso, a irrupção de capitalistas-fazendeiros na região de Rio Claro não se fizera isoladamente. Como era tipico, havia nas vizinhangas parentes que se prestavam mutuamente apoio econômico e politico.

O irmão de Oliveira, João Batista, possuia uma fazenda quase tão grande quanto a dele, e Oliveira casou suas filhas com chefes politicos de São Carlos e Dourado. O sogro de Vergueiro foi sócio na primeira sesmaria administrada por seu irmão por vários anos antes de Vergueiro mudar-se para Piracicaba. Dois de seus filhos casaram com filhas de importantes figuras políticas, e uma delas casou com um membro da familia Souza Queiroz, com a qual Vergueiro tinha interesses comerciais, o café aumentou as fortunas de Vergueiro e dos outros, e fortaleceu o sistema das grandes lavouras. Estas, por seu lado, não eram indispenséveis para o desenvolvimento do comércio exportador de café, Ao contrário do açúcar, o café não tem uma história continua de cullivo em larga escala. A planta responde a insumos extras de trabalho e de atenção com maior produção e melhores frutos. Assim, na Jamaica, em Porto Rico e na Colómbia o café no séc. XIX foi a salvação dos pequenos camponeses. Os exportadores de Santos, portanto, por necessidade, dirigiam-se para mercados de massa que não podiam pagar por um café superior e se habituaram com um produto mediocre. Um grande paradoxo: os camponeses livres do Caribe cultivavam seu café de qualidade para uma abastada classe média européia, enquanto os operários das fábricas e os trabalhadores rurais dos Estados Linidos consumiam o produto de latifundidrios escravagistas.

REFERÊNCIA

Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura, 1820-1920. Autor: Warren Dean. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

Análise


O sistema de grande lavoura em Rio Claro, como descrito no texto “Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura”, era caracterizado por um conjunto de fazendas voltadas principalmente para o cultivo do café, que se tornou a principal cultura da região durante o século XIX. Vamos analisar mais profundamente a organização dessas fazendas e como ela se relaciona com o contexto histórico e econômico da época:

  1. Fazendas de Café: O cultivo do café era a atividade predominante nessas fazendas. O café se tornou a principal cultura de exportação do Brasil durante o século XIX, impulsionado pela demanda internacional. As fazendas eram dedicadas ao plantio, colheita e processamento do café, bem como ao armazenamento antes do transporte para o porto de Santos.
  2. Escravidão: A mão de obra nas fazendas de Rio Claro era baseada na escravidão. Os escravos desempenhavam um papel fundamental na produção de café, desde o plantio e a colheita até o processamento. Eles eram uma parte essencial do sistema de produção de grande lavoura, e sua presença permitia que os fazendeiros alcançassem grandes volumes de produção.
  3. Tamanho e Extensão: As fazendas em Rio Claro eram frequentemente vastas em termos de terras. Alguns fazendeiros tinham propriedades que abrangiam várias léguas quadradas, totalizando centenas de quilômetros quadrados. Essa extensão permitia a produção em larga escala e a diversificação das atividades, como a criação de gado e a produção de cana-de-açúcar em algumas propriedades.
  4. Condições de Vida: O texto menciona que as casas nas fazendas eram geralmente simples e sem muitos ornamentos, já que os proprietários preferiam investir na decoração de suas mansões em São Paulo. As condições de vida nas fazendas para os escravos eram precárias, e os trabalhadores viviam em cubículos em torno de um pátio, o que reflete a dura realidade da escravidão.
  5. Transporte e Comércio: O transporte do café das fazendas até o porto de Santos era um desafio logístico importante. No início, o transporte era feito principalmente por mulas, o que adicionava custos significativos ao processo. Posteriormente, a construção de estradas de ferro, como a Rio Claro Railway, simplificou e reduziu os custos de transporte.
  6. Influência Política e Econômica: Os fazendeiros de Rio Claro, incluindo figuras como Antônio Paes de Barros, José Estanislau de Oliveira e Nicolau Vergueiro, não eram apenas grandes proprietários de terras, mas também desempenharam papéis importantes na política e na economia da época. Eles ocuparam cargos políticos, participaram ativamente do desenvolvimento de infraestrutura, como estradas de ferro, e tiveram influência na região e até mesmo na corte.
  7. Transformações Sociais: O cultivo do café e o sistema de grande lavoura tiveram um profundo impacto nas transformações sociais da época. A concentração de terras nas mãos de alguns poucos fazendeiros, o uso intensivo de mão de obra escrava e a crescente urbanização em São Paulo são aspectos importantes dessas mudanças sociais.

Em resumo, o sistema de grande lavoura em Rio Claro era baseado principalmente no cultivo do café, impulsionado pela demanda internacional. Ele envolveu a concentração de terras, a exploração da mão de obra escrava, a construção de infraestrutura de transporte e a ativa participação política e econômica por parte dos fazendeiros. Esse sistema desempenhou um papel fundamental na economia do Brasil durante o século XIX, mas também trouxe consigo questões complexas relacionadas à escravidão e à transformação social.

A relação entre o texto “Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura” e o conceito de “expropriação da terra” está intrinsecamente ligada à forma como as terras se consolidaram nas mãos dos fazendeiros de Rio Claro durante o século XIX no contexto do desenvolvimento da cultura do café.

  1. Concentração de Terras: No texto, é evidente que os fazendeiros de Rio Claro adquiriram vastas extensões de terras, algumas das quais eram inicialmente terras públicas ou terras de sesmarias. Esse processo de aquisição de terras em grande escala por parte dos fazendeiros representa uma forma de expropriação da terra, pois eles adquiriram terras em quantidades significativas, muitas vezes expulsando pequenos agricultores ou posseiros que poderiam ter ocupado essas terras anteriormente.
  2. Uso da Escravidão: A expropriação da terra em Rio Claro também está relacionada ao uso da escravidão. Os fazendeiros dependiam fortemente da mão de obra escrava para o cultivo do café. Essa mão de obra foi frequentemente obtida através do comércio de escravos, o que implicava a expropriação das vidas e liberdade de milhares de africanos que foram trazidos ao Brasil contra sua vontade.
  3. Transformação Social: À medida que as terras foram expropriadas e concentradas nas mãos de poucos fazendeiros, houve uma transformação social significativa na região. A expropriação da terra levou à criação de uma elite agrária poderosa, que dominava não apenas a economia, mas também a política e a sociedade local.
  4. Conflitos de Terra: A expropriação da terra também pode ter gerado conflitos locais, pois aqueles que foram despossuídos de suas terras podem ter resistido ou protestado contra os fazendeiros que as tomaram. Esses conflitos podem não ser detalhados no texto, mas são um elemento comum em regiões onde ocorreu a concentração de terras.
  5. Conexão com o Café: A expropriação da terra está diretamente relacionada ao desenvolvimento da cultura do café na região. O café se tornou uma cultura lucrativa, e os fazendeiros buscaram adquirir terras para expandir suas plantações e aumentar sua produção. Isso contribuiu para a expropriação de terras em uma escala significativa.

Em resumo, o processo de expropriação da terra desempenhou um papel central na formação do sistema de grande lavoura em Rio Claro, onde terras públicas, sesmarias e terras ocupadas anteriormente foram adquiridas por fazendeiros em larga escala. Esse processo, frequentemente envolvendo o uso de mão de obra escrava, resultou na concentração de terras nas mãos de uma elite agrária, que se tornou dominante na região e desempenhou um papel crucial na expansão da cultura do café no Brasil.

2 comentários em “Rio Claro: um sistema brasileiro de grande lavoura – A Organização das Fazendas

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