Em nota encaminhada ao site, o GREPPE – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional vem a público manifestar e pedir a revogação das Leis Municipais 5496/21, Lei 5500/21, Lei 5492/21 e suas possíveis implicações para a educação municipal de Rio Claro/SP.
“[…] o GREPPE/Rio Claro se manifesta pela revogação das Leis e pela abertura das discussões com os profissionais da rede, bem como, se disponibiliza para diálogos”. O Grupo há mais de 15 anos realiza estudos e pesquisas sobre os processos de privatização da educação básica e suas implicações para o direito à educação. As referidas Leis, publicadas no Diário Oficial do Município de Rio Claro, de 30 de junho de 2021, foram sancionadas pelo prefeito Gustavo Ramos Perissinotto, e tratam sobre:
Lei Municipal nº 5.496/2021 – estabelece a “colaboração” entre o poder público e a iniciativa privada para a formação de servidores públicos;
Lei Municipal nº 5.500/2021 – cria o “Programa Municipal de Prevenção ao Abandono e à Evasão Escolar” para: desenvolvimento de competências socioemocionais, desenvolvimento cognitivo do aluno, expansão de escolas de ensino em tempo integral, construir e estruturar currículos complementares, promover disciplinas de “projeto de
vida”, estruturar avaliações diagnósticas e promover aulas de reforço, promover e estimular a integração do aluno e a construção de um ambiente escolar democrático, promover visitas aos alunos evadidos.
Lei Municipal nº 5.492/2021 – cria o “Programa Empresa Amiga da Escola” com o propósito de estimular as pessoas jurídicas de direito privado a promoverem atos publicitários nos muros das escolas municipais.
O grupo, inicialmente, esclarece que “a privatização da educação não se refere exclusivamente à transferência de propriedade das escolas do setor público para o privado, mas, também, a todas as estratégias e processos em que o setor privado incide sobre a educação pública. Neste sentido, o GREPPE entende a privatização em uma concepção ampla, uma vez que, os arranjos e estratégias entre o público e o privado são diversos e têm se constituído e consolidado a naturalização de práticas e processos educacionais que ficam reféns da iniciativa privada, desqualificam o setor público e seus profissionais, com prejuízos para o direito humano à educação”. Confira parte da nota:
Para Belfield & Levin (2004, p.19) a privatização:
é um termo guarda-chuva referente a diferentes programas e políticas educacionais. Como uma definição geral, as privatizações transferem as atividades, os ativos e as responsabilidades do governo/instituições e organizações públicas para os indivíduos e as agências.
(BELFIELD & LEVIN, 2004, p.19).
A partir dos estudos, pesquisas e experiências acumulados (nacional e internacionalmente), o Grupo entende que pode contribuir com o debate acerca de tais Leis, destacando algumas questões:
1- Um primeiro ponto a ser destacado é que a assinatura das referidas Leis se deu pelo Prefeito Municipal Gustavo Ramos Perissinotto, o Secretário de Adminstração, Luiz Rogerio Marchetti e o Secretário Municipal dos Negócios Jurídicos, José Renato Martins. O Grupo considera que o debate acerca de tais legislações deve envolver a Secretaria Municipal de Educação e os órgãos colegiados da educação do Município, dentre os quais destacamos o Conselho Municipal da Educação de Rio Claro (COMERC), além dos profissionais da educação, uma vez que são os principais envolvidos diretos no conteúdo e implicações destas Leis, que autorizam a entrada no setor privado em várias frentes da educação municipal.
2- A educação no município de Rio Claro historicamente é referência na região. O município conta com profissionais da educação bem qualificados, concursados, com formação em educação superior e grande parte com pós-graduação. Por que priorizar parcerias com a iniciativa privada para realizar ações que são de responsabilidade do próprio Poder Público Municipal e dos profissionais da educação, como, por exemplo, desenvolver avaliações diagnósticas, promover disciplina de projeto de vida, aulas de reforço, construir e complementar currículos complementares e ainda, a mais básica da responsabilidade municipal, o próprio desenvolvimento cognitivo dos alunos? A quem interessa esta transferência de responsabilidades do Poder Público para a iniciativa privada e por que ela se justifica em um município com pessoal qualificado? Ao abrir espaço para a entrada do setor privado, o município acaba por creditar valor para este setor, ao invés de destacar o bom trabalho do Poder Público Municipal e de seus profissionais.
3- Um terceiro ponto a destacar é por que realizar parceria com a iniciativa privada para promover espaços democráticos de participação, se a gestão democrática da escola pública está prevista na CF/88 e na LDB/96 e a SME já tem profissional responsável por tais questões? Outrossim, não ter aberto o diálogo na propositura da parceria demonstra sérios indicativos de não estarem seguindo princípios democráticos, imprescindíveis para a construção do direito à educação pública de qualidade para todos.
4- Destaca-se, ainda, com relação aos processos de formação dos profissionais da educação, a proximidade estratégica de Rio Claro com Universidades Públicas renomadas (local e no entorno do município) que poderiam ser parceiras em iniciativas voltadas para a melhoria da educação no município, inclusive com uma diversidade de pesquisas acerca da avaliação, disciplina de projetos de vida, gestão democrática, temáticas envolvidas nas referidas Leis e, certamente, os custos seriam bem menores do que os da iniciativa privada, além de fortalecer a autonomia decisória dos processos educacionais não os transferindo para o setor privado, ficando refém da relação com o referido setor. Há que se considerar, ainda, que o município conta com o Centro de Aperfeiçoamento Pedagógico (CAP), criado pela Lei Orgânica do Município, que data de 06 de abril de 1990, em seu artigo 262, da seção IV – Da Educação. Este é um órgão de apoio do sistema municipal de ensino, ligado diretamente à Secretaria Municipal de Educação e é responsável pela promoção e coordenação de ações formativas e de suporte às práticas pedagógicas no município de Rio Claro. Os Coordenadores Pedagógicos do CAP atuam como coordenadores pedagógicos do currículo de Educação Básica (Educação Infantil e Educação Fundamental) e suas modalidades (Educação de Jovens e Adultos e Educação Especial). (RIO CLARO, 2006, s.p.).
5- Os processos e estratégias de privatização da educação transferem a tomada de decisão sobre a educação pública para o setor privado, isentando o Poder Público por responsabilidades e resultados de sua competência. Impedem, ainda, a própria gestão democrática de escolas e redes, uma vez que as tomadas de decisões passam a ser realizadas, muitas vezes, pela iniciativa privada. Cabe ressaltar mais uma vez que a gestão democrática das escolas públicas está prevista na CF/88 e LDB/96.
6- As avaliações alinhadas ao modelo gerencial/empresarial embasadas em uma concepção de qualidade restrita a índices e indicadores quantitativos despotencializam a participação, os processos avaliativos democráticos, a
qualificação e autonomia dos profissionais da educação, restringem os currículos e o desenvolvimento da formação humana (ampliada), além de não corresponderem às complexidades que envolvem os processos educacionais.
7- Os currículos escolares são territórios em disputa política, uma vez que, coloca em jogo a educação que se deseja oferecer e os seus projetos societários correspondentes. Deixá-los nas mãos da iniciativa privada é sair da disputa por concepções de educação alicerçadas na formação humana ampliada, restringindo o direito à educação ao direito à aprendizagem, ou melhor, (poucas aprendizagens relacionadas a algumas competências e habilidades. Destaca-se também que existe um movimento importante da atual liderança da Secretaria Municipal de Educação para a construção do currículo da rede a ser discutido democraticamente com os profissionais da educação municipal.
8- O avanço do setor privado sobre a educação pública no Brasil tem acarretado a vazão de recursos públicos para a iniciativa privada, recursos estes que poderiam ser direcionados para o setor público e para a valorização de seus profissionais.
9- Embora os discursos privatistas insistam em nos colocar a falsa ideia de que o mercado privado é sinônimo de qualidade, ressaltamos que é pela via pública que se garante a toda a população o direito à educação, com aprendizagens significativas, com processos democráticos e com valores éticos, transcendendo o sentido de educação como bem de consumo e convalidando o seu significado como bem público.
10- Por fim, destaca-se que não foram realizadas discussões com setores da sociedade antes da aprovação das referidas Leis, ou seja, elas não foram construídas coletivamente e não contaram com a participação dos profissionais da educação, que figuram como parte interessada nos assuntos dispostos nas normativas. Cabe salientar que a câmara legislativa poderia contribuir para a criação de um importante espaço democrático conforme preconiza o Plano Municipal de Educação aprovando a lei de criação do Fórum Permanente de Educação, composto de forma paritária entre sociedade civil e poder público.
Diante desse cenário, defendemos:
Que a lógica gerencial/empresarial de gestão, própria da iniciativa privada, não se coaduna com os princípios da educação pública, que, como um direito humano inalienável de todo cidadão, não pode ser tratada como mercadoria, pois gera e aprofunda processos de segregação e estratificação educacionais e sociais que se confrontam com o
direito humano à educação.
O princípio de que os recursos públicos sejam destinados exclusiva e diretamente às redes e escolas públicas e que sua definição seja resultado da participação social e controle público.
O amplo debate e discussão sobre as decisões da política educacional pública, esclarecendo a comunidade dos enfrentamentos, desafios e prejuízos da transferência dessas decisões para iniciativa privada e ainda, fortalecendo as alianças com conselhos municipais e estaduais de educação, pesquisadores nacionais, Ministério Público objetivando que o direito à educação pública de qualidade social, que se constitui direito humano, seja efetivado para todos os cidadãos.
Entendemos que os dispositivos legais mencionados, além de não contribuírem com o campo educacional do município de Rio Claro, não possuem legitimidade pelo fato de terem sido construídos sem a participação dos profissionais da educação.
Nesse sentido, o GREPPE/Rio Claro se manifesta pela revogação das Leis e pela abertura das discussões com os profissionais da rede, bem como, se disponibiliza para diálogos.
GREPPE – Grupo de Estudos e Pesquisas em Política Educacional
Rio Claro, 05 de julho de 2021.
Confira a nota: