
Nenhum homem livre será detido ou preso, nem privado de seus bens (disseisiatur), banido (utlagetur) ou exilado ou, de algum modo, prejudicado (destruatur), nem agiremos ou mandaremos agir contra ele, senão mediante um juízo legal de seus pares ou segundo a lei da terra (nisi per legale iudicium parium suorum vel per legem terre) (COMPARATO, 2010, p. 97).
Rei João Sem-Terra
O discurso acima é considerado uma das provas cabais do surgimento do que chamamos do princípio da legalidade, especificamente no ano de 1215, através da assinatura, pelo Rei João Sem-Terra, da Magna Carta, cuja cláusula 39. O documento, na prática, limitou o poder dos monarcas da Inglaterra, impedindo assim o exercício do poder absoluto. Resultou de desentendimentos entre João, o Papa e os barões ingleses acerca das prerrogativas do soberano. Confira:
Outros documentos históricos serviram para o desenvolvimento e a consolidação do princípio da legalidade, como a Petição de Direitos (1627), o Bill of Rights (1688) e o Ato de Estabelecimento (1701), influenciando a Revolução Americana (1776), a Revolução Francesa (1789) e, por decorrência, as Constituições democráticas do século XIX.
Ao discorrer sobre o surgimento do Estado de Direito, Norberto Bobbio (2015, pp. 240-241) observa que:
Da Inglaterra o princípio da rule of law transfere-se para as doutrinas jurídicas dos Estados continentais, dando origem à doutrina, hoje verdadeiramente universal (no sentido de que não é mais contestada por ninguém em termos de princípio, tanto que quando não se a reconhece se invoca o estado de necessidade ou de exceção), do “Estado de direito”, isto é, do Estado que tem como princípio inspirador a subordinação de todo poder ao direito, do nível mais baixo ao nível mais alto, através daquele processo de legalização de toda ação de governo que tem sido chamado, desde a primeira constituição escrita da idade moderna, de “constitucionalismo”.
Para conformar o novo modelo que emergiu da restrição dos direitos do soberano sobre os homens comuns é que aparece a necessidade de novos modelos de administração.
Temos, assim, na atividade pública geral, três categorias de atos inconfundíveis entre si:
- Atos legislativos;
- Atos judiciais; e,
- Atos administrativos.
Atos Administrativos


atos – https://www.passeidireto.com/arquivo/35268718/atos-administrativos> Acesso 26.ago.2020
Classificação dos atos administrativos
QUANTO À LIBERDADE DE ATUAÇÃO DO AGENTE PÚBLICO: VINCULADOS X DISCRICIONÁRIOS
- Vinculado – lei estabelece todos os elementos objetivamente. Não há qualquer margem de escolha para o agente público.
- Discricionário – também previsto em lei, mas se confere ao agente público uma margem de escolha (ou por determinações expressas ou por conceitos indeterminados). O agente pode complementar o ato de acordo com seu juízo de conveniência e oportunidade.
QUANTO AO ALCANCE DO ATO ADMINISTRATIVO: GERAIS X INDIVIDUAIS
- Gerais – quando se descreve uma situação fática e todos aqueles que se adequem à situação fática devem obedecer a esse ato.
- Individuais – é aquele que individualiza as pessoas atingidas por ele.
QUANTO A FORMAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO: SIMPLES X COMPLEXO X COMPOSTO
- Simples – é perfeito e acabado com a simples manifestação de vontade de um único agente.
Ex.: portaria de nomeação de um analista do TRT.
- Complexos – ato administrativo que só se aperfeiçoa por soma de vontades absolutamente independentes.
QUANTO À DESTINAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO: INTERNOS X EXTERNOS
- Internos – voltados para a própria administração.
- Externos – orientados aos cidadãos em geral.
QUANTO AO OBJETO
- Atos de império: são atos praticados de oficio pelos agentes públicos e impostos coercitivamente aos administrados, em nome do princípio da supremacia do interesse público. Ex: desapropriação de um bem privado, interdição de estabelecimento comercial, apreensão de mercadorias, etc.
- Atos de gestão: a Administração Pública atua como se fosse uma pessoa privada, não se valendo da citada supremacia. Ex: alienação de bem público, aluguel de bem imóvel de autarquia a um particular;
- Atos de expediente: são aqueles atos internos da administração pública, relacionados às rotinas de andamento dos variados serviços executados por seus órgãos e entidades administrativos. Assim, não têm conteúdo decisório.
QUANTO AO NÚMERO DE PARTES DO ATO ADMINISTRATIVO: UNILATERAL X BILATERAL X PLURILATERAL
- Unilateral – formação da vontade pelo órgão emitente.
- Bilateral – formação da vontade entre dois interesses distintos.
- Plurilateral – conjugação de uma pluralidade de interesses.
QUANTO À MODIFICAÇÃO DA ESFERA JURÍDICA DOS AFETADOS PELO ATO ADMINISTRATIVO: AMPLIATIVO X RESTRITIVO
- Ampliativos – concedem direitos e garantias aos usuários/cidadãos.
- Restritivos – restringem direitos e garantias aos usuários/cidadãos.

atos – https://www.passeidireto.com/arquivo/35268718/atos-administrativos> Acesso 26.ago.2020.
*Informações retiradas de <https://www.trilhante.com.br/curso/atos-administrativos/aula/classificacoes-dos-atos-administrativos-1-e-2-1>
Espécies de atos administrativos

NORMATIVOS:
São atos praticados pelo Estado para os quais se estabelecem normas gerais e abstratas. São decorrência do poder normativo, isto é, é a possibilidade de se expedirem normas gerais e abstratas dentro dos limites da lei. Espécies:
- Regulamentos (decretos) – ato privativo do chefe do executivo.
- Avisos (ministeriais) – são os atos normativos dos ministérios, órgãos imediatamente inferiores ao do chefe do executivo.
- Instruções normativas – atos expedidos por outras autoridades públicas. São atos administrativos normativos por qualquer outra autoridade.
- Deliberações / Resoluções – são atos normativos dos órgãos colegiados, sejam eles integrantes da administração direta ou da indireta com poder normativo (Ex.: ag. Reguladoras).
ORDINATÓRIOS:
São atos praticados para ordenação interna da atividade pública. São atos praticados internamente para a organização, e não atingem terceiros.
Decorrem do poder hierárquico.
- Portaria – ato interno individual. É praticada por chefes de órgãos públicos e atinge indivíduos específicos, normalmente seus subalternos, determinando que eles realizem certos atos.
- Circular – normas internas uniformes (que não extrapolam a administração pública). São ordens escritas voltadas a determinados agentes. Ex.: definição de horário de funcionamento da repartição.
- Ordem de serviço – delegação de ordens e divisão de tarefas. Distribuição de atividade interna do órgão.
- Memorandos – ato de comunicação interna. Comunicação entre agentes do mesmo órgão.
- Ofícios – ato de comunicação externa – Comunicações oficiais realizadas pela Administração a terceiros, podendo ser entre agentes de órgãos diversos, entre autoridades diferentes ou entre autoridade pública e particular.
NEGOCIAIS
São atos de consentimento. O estado concede ao particular algo que este pleiteia. No ato negocial, deve haver coincidência entre manifestação de vontade do particular e o interesse do particular.
Todos os atos negociais são expedidos por meio de alvará (forma do ato negocial).
Podem ser:
- Licença – sempre é um ato de polícia. É ato por meio do qual a administração permite ao particular a realização de uma atividade fiscalizada. (diferente de autorização de polícia, a licença não é ato discricionário e sim vinculado).
- Autorização – ato administrativo discricionário e precário. Precário, pois pode ser desfeito a qualquer tempo, independente de indenização. Temos 2 espécies:
- Autorização de uso de bem público: todas as vezes que particular pretende usar bem público de forma normal, não precisa de consentimento do Estado (Ex.: passear na praia). No entanto, se a utilização é especial, precisa de autorização (Ex.: casar-se na praia). Neste caso, é necessária autorização de uso!
- Autorização de polícia: para atividade material fiscalizada pelo poder público – Ex.: portar arma, abrir escola etc.
- Permissão –Trata-se da permissão de USO de bem público (e não de serviço!). Aqui, permite-se ao particular usar o bem público de forma especial.
- Admissão – ato por meio do qual se permite que particular usufrua de serviço público prestado pelo Estado. Ex.: matrícula na escolinha pública.
ENUNCIATIVOS
São atos por meio dos quais a administração pública atesta fato ou emite opinião.
- Parecer – ato enunciativo opinativo. Emite opinião do poder público sobre determinada situação. O parecer não produz efeito direto no mundo jurídico.
- Atos que atestam situações de fato:
- Atestado – verifica-se situação de fato e atesta.
- Certidão – espelho de registro. Algo já está registrado, e na certidão é espelhado para a sociedade.
- Apostila (averbação) – É o assentamento de informação. Ex.: certidão de tempo por contribuição INSS que é averbada no local de trabalho.
PUNITIVOS
É ato sancionatório. Devem ser analisados com base em 2 princípios:
(i) proporcionalidade; e
(ii) devido processo legal
FATO ADMINISTRATIVO, FATO DA ADMINISTRAÇÃO E ATOS DA ADMINISTRAÇÃO
De acordo com a dicotomia existente no direito civil, a noção de ato é necessariamente ligada a uma conduta humana, ao passo que a ocorrência de um fato está condicionada a acontecimentos naturais independentes da interferência do homem, que poderá ser apenas indireta.
Nas hipóteses em que uma norma legal descreve a existência de determinado fato, a sua ocorrência produzirá efeitos jurídicos; por isso, a ele denominamos fato jurídico. Caso os efeitos jurídicos sejam produzidos na área do direito administrativo, tratar-se-á de um fato administrativo, como no caso da morte de um servidor público (que gera a vacância do cargo anteriormente ocupado por ele), ou do simples decurso do tempo (que gera a prescrição administrativa).
Quando a ocorrência de um fato não produzir nenhum efeito jurídico ligado ao direito administrativo, estaremos diante de um fato da Administração (DI PIETRO, 2006, p. 200).
Lembrando que para que o ato administrativo se aperfeiçoe, reunindo condições de eficácia para a produção de efeitos jurídicos válidos, a sua estrutura deverá ser composta por certos requisitos: competência, finalidade, forma, objeto e motivo.
Referências
BRASIL. Decreto-lei nº200 de 25 de fevereiro de 1967. Disponível em: Dispõe sôbre a organização da Administração Federal, estabelece diretrizes para a Reforma Administrativa e dá outras providências Acesso em: 30 jun. 2011.
BRASIL. Lei nº9.649 de 27 de maio de 1998. Dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9649cons.htm> Acesso em: 21 jun. 2011.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24 ed. São Paulo: Atlas, 2011
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 24. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1999.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 28 ed. atual. por Eurico de Andrade Azevedo, Délcio Balestero Aleixo e José Emmanuel Burle Filho. São Paulo: Malheiros, 2003
OLIVEIRA, João Daniel Correia de. Ato administrativo: origem, conceito, requisitos, vinculação, discricionariedade e mérito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5355, 28 fev. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/60926. Acesso em: 26 ago. 2020.