Lista de autores para o roteiro de estudos:
Adélia Prado Nascimento: 13/12/1935, Divinópolis/MG Magnum opus: Bagagem (1976) | |
A formalística O poeta cerebral tomou café sem açúcar e foi pro gabinete concentrar-se. Seu lápis é um bisturi que ele afia na pedra, na pedra calcinada das palavras, imagem que elegeu porque ama a dificuldade, o efeito respeitoso que produz seu trato com o dicionário. Faz três horas que já estuma as musas. O dia arde. Seu prepúcio coça. | |
Alice Ruiz Nascimento: 22/01/1946, Curitiba/PR Magnum opus: Desorientais | |
HAIKAIS mar bravio a cada onda novo silêncio diante do mar três poetas e nenhum verso manhã de outono o verde do mar também amarela sinal fechado o menino atravessa escrevendo versos contra o prédio cinza uma só flor e todas as cores procurando a lua encontro o sol mas já de partida pôr-do-sol em torno dele todos os cinzas começo de outono cheia de si a primeira lua som alto vento na varanda a samambaia samba trânsito parado os mesmos olhares e ninguém se olha último raio de sol primeiro da lua outono nascendo cerimônia do chá três convidados e um mosquito nuvem de mosquitos tocando violão silenciosamente sob a folha ver-escura a folha verde-clara trêmula dissimula | |
Álvares de Azevedo Nascimento: 12/09/1831, São Paulo/SP Morte: 25/04/1852 Magnum opus: Lira dos Vintes Anos | |
Se Eu Morresse Amanhã Se eu morresse amanhã, viria ao menos Fechar meus olhos minha triste irmã, Minha mãe de saudades morreria Se eu morresse amanhã! Quanta glória pressinto em meu futuro! Que aurora de porvir e que manhã! Eu perdera chorando essas coroas Se eu morresse amanhã! Que sol! que céu azul! que doce n’alva Acorda ti natureza mais louçã! Não me batera tanto amor no peito Se eu morresse amanhã! Mas essa dor da vida que devora A ânsia de glória, o dolorido afã… A dor no peito emudecera ao menos Se eu morresse amanhã! | |
Ana Maria Machado Nascimento: 24/12/1941, Rio de Janeiro/RJ Magnum opus: Bento-que-bento-é-o-frade | |
Fiz Voar meu chapéu Fiz voar o meu chapéu, acertei no coronel. O Coronel se assustou, no riacho despencou. O riacho foi embora, nem reparou na Senhora. A Senhora deu chilique, quem salvou foi o cacique. Cacique chamou Peri, que pescava lambari. Lambari fugiu ligeiro, nem esperou marinheiro. Marinheiro deu fricote, saiu remando num bote. O bote deu tremedeira, despencou na cachoeira. Cachoeira foi pro mar, pela praia a se espalhar. Se espalhou até o barraco onde mora o Zé Macaco. Macaco deu gargalhada e chamou a namorada. Lá veio dona Gabola, de bolsa, xale e gaiola. Mas a gaiola se abriu e passarinho fugiu. Voa, voa, passarinho, vai de volta pro seu ninho… No ninho os quatro filhotes festejaram aos pinotes. E cantaram numa banda, no seu ninho com varanda. Viva Peri, viva o Mico, a Senhora e o Coronel! Viva mais o tico-tico, que fez ninho em meu chapéu! | |
Ariano Suassuna Nascimento: 18/06/1927,Cidade da Parahyba/PB Morte: 23/07/2014 Magnum opus: Auto da Compadecida (1955) | |
Nascimento – O exílio Aqui, o Corvo azul da Suspeição Apodrece nas Frutas violetas, E a Febre escusa, a Rosa da infecção, Canta aos Tigres de verde e malhas pretas. Lá, no pelo de cobre do Alazão, O Bilro de ouro fia a Lã vermelha. Um Pio de metal é o Gavião E suave é o focinho das Ovelhas. Aqui, o Lodo mancha o Gato Pardo: A Lua esverdeada sai do Mangue E apodrece, no medo, o Desbarato. Lá, é fogo e limalha a Estrela esparsa: O Sol da morte luz no sol do Sangue, Mas cresce a Solidão e sonha a Garça. | |
Augusto dos Anjos Nascimento: 20/04/1884,Sapé/PB Morte: 12/11/1914 Magnum opus: Eu (1912) | |
Psicologia de um vencido Eu, filho do carbono e do amoníaco, Monstro de escuridão e rutilância, Sofro, desde a epigênesis da infância, A influência má dos signos do zodíaco. Profundíssimamente hipocondríaco, Este ambiente me causa repugnância… Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia Que se escapa da boca de um cardíaco. Já o verme — este operário das ruínas — Que o sangue podre das carnificinas Come, e à vida em geral declara guerra, Anda a espreitar meus olhos para roê-los, E há-de deixar-me apenas os cabelos, Na frialdade inorgânica da terra! | |
Carlos Drummond de Andrade Nascimento: 31/10/1902,Itabira/MG Morte: 17/08/1987 Magnum opus: A Rosa do Povo (1945) | |
No Meio do Caminho No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra. | |
Cecília Meireles Nascimento: 07/11/1901, Rio de Janeiro/RJ Morte: 09/11/1964 Magnum opus: Romanceiro da Inconfidência (1953) | |
Retrato Eu não tinha este rosto de hoje, Assim calmo, assim triste, assim magro, Nem estes olhos tão vazios, Nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, Tão paradas e frias e mortas; Eu não tinha este coração Que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, Tão simples, tão certa, tão fácil: — Em que espelho ficou perdida a minha face? | |
Clarice Lispector Nascimento: 10/12/1920, Chechelnyk, Oblast de Vinnitsa – República Popular da Ucrânia Morte: 09/12/1977 Magnum opus: A Hora da Estrela | |
Minha alma tem o peso da luz Minha alma tem o peso da luz. Tem o peso da música. Tem o peso da palavra nunca dita, prestes quem sabe a ser dita. Tem o peso de uma lembrança. Tem o peso de uma saudade. Tem o peso de um olhar. Pesa como pesa uma ausência. E a lágrima que não se chorou. Tem o imaterial peso da solidão no meio de outros. | |
Conceição Evaristo Nascimento: 29/11/1946, Belo Horizonte/MG Magnum opus: Ponciá Vicêncio | |
Da calma e do silêncio Quando eu morder a palavra, por favor, não me apressem, quero mascar, rasgar entre os dentes, a pele, os ossos, o tutano do verbo, para assim versejar o âmago das coisas. Quando meu olhar se perder no nada, por favor, não me despertem, quero reter, no adentro da íris, a menor sombra, do ínfimo movimento. Quando meus pés abrandarem na marcha, por favor, não me forcem. Caminhar para quê? Deixem-me quedar, deixem-me quieta, na aparente inércia. Nem todo viandante anda estradas, há mundos submersos, que só o silêncio da poesia penetra. | |
Cora Coralina Nascimento: 20/08/1889, Cidade de Goiás/Império do Brasil Morte: 10/04/1985 Magnum opus: Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais | |
Mulher da vida Mulher da Vida, Minha irmã. De todos os tempos. De todos os povos. De todas as latitudes. Ela vem do fundo imemorial das idades e carrega a carga pesada dos mais torpes sinônimos, apelidos e ápodos: Mulher da zona, Mulher da rua, Mulher perdida, Mulher à toa. Mulher da vida, Minha irmã. | |
Elisa Lucinda Nascimento: 02/02/1958, Cariacica/ES Magnum opus: 50 Poemas Escolhidos pelo Autor | |
Incompreensão dos mistérios Saudades de minha mãe. Sua morte faz um ano e um fato Essa coisa fez eu brigar pela primeira vez com a natureza das coisas: que desperdício, que descuido que burrice de Deus! Não de ela perder a vida mas a vida de perdê-la. Olho pra ela e seu retrato. Nesse dia, Deus deu uma saidinha e o vice era fraco. | |
Fernando Pessoa Nascimento: 13/06/1888, Lisboa/Reino de Portugal Morte: 30/11/1935 Magnum opus: Mensagem (1934) | |
Autopsicografia O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. | |
Ferreira Gullar Nascimento: 10/09/1930, São Luís/MA Morte: 04/12/2016 Magnum opus: Poema Sujo (1976) | |
Não há Vagas O preço do feijão não cabe no poema. O preço do arroz não cabe no poema. Não cabem no poema o gás a luz o telefone a sonegação do leite da carne do açúcar do pão O funcionário público não cabe no poema com seu salário de fome sua vida fechada em arquivos. Como não cabe no poema o operário que esmerila seu dia de aço e carvão nas oficinas escuras — porque o poema, senhores, está fechado: “não há vagas” Só cabe no poema o homem sem estômago a mulher de nuvens a fruta sem preço O poema, senhores, não fede nem cheira | |
Hilda Hilst Nascimento: 21/04/1930, Jaú/SP Morte: 04/02/2004 Magnum opus: Cantares de perda e predileção | |
Árias Pequenas. Para Bandolim Antes que o mundo acabe, Túlio, Deita-te e prova Esse milagre do gosto Que se fez na minha boca Enquanto o mundo grita Belicoso. E ao meu lado Te fazes árabe, me faço israelita E nos cobrimos de beijos E de flores Antes que o mundo se acabe Antes que acabe em nós Nosso desejo. | |
Homero Nascimento: 928 AC, Grécia Morte: 898 AC Magnum opus: Odisseia | |
SONETO DO CÃO PASTOR Meus olhos, cão pastor, lambem teu flanco Á luz alpestre de uma estrela guia. Colar de guizo, meu amor te açula Tange teus pés, terneiros lado a lado Ao secreto redil, casta fazenda De paina adormecida e pau-marfim. Minha mão, cauda inquieta, se te afaga Entre a vegetação do linho novo, É porque és ovelha, eu, cão pastor De teu corpo nascente, gado claro Criado no altiplano onde vagueias E pasces, entre fios e altos pássaros Sob a guarda do entregue cão pastor Amoroso na lei de sua ovelha. | |
João Cabral de Melo Neto Nascimento: 09/01/1920, Recife/PE Morte: 09/10/1999 Magnum opus: Morte e Vida Severina | |
Psicologia da composição (trecho) Saio de meu poema como quem lava as mãos. Algumas conchas tornaram-se, que o sol da atenção cristalizou; alguma palavra que desabrochei, como a um pássaro. Talvez alguma concha dessas (ou pássaro) lembre, côncava, o corpo do gesto extinto que o ar já preencheu; talvez, como a camisa vazia, que despi. Esta folha branca me proscreve o sonho, me incita ao verso nítido e preciso. Eu me refugio nesta praia pura onde nada existe em que a noite pouse. | |
Luís de Camões Nascimento: 1524, Lisboa / Portugal Morte: 10/06/1580 Magnum opus: Os Lusíadas | |
Primeiro soneto: Amor é um fogo que arde sem se ver; é ferida que doi e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer; é um andar solitário entre a gente; é nunca contentar-se de contente; é um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; é servir a quem vence, o vencedor; é ter com quem nos mata, lealmente. Mas como causar pode seu favor nos corações humanos amizade se tão contrário a si é o mesmo Amor? | |
Machado de Assis Nascimento: 12/06/1839, Rio de Janeiro / Império do Brasil Morte: 29/09/1908 Magnum opus: Memórias Póstumas de Brás Cubas | |
O VERME Existe uma flor que encerra Celeste orvalho e perfume. Plantou-a em fecunda terra Mão benéfica de um nume. Um verme asqueroso e feio, Gerado em lodo mortal, Busca esta flor virginal E vai dormir-lhe no seio. Morde, sangra, rasga e mina, Suga-lhe a vida e o alento; A flor o cálix inclina; As folhas, leva-as o vento. Depois, nem resta o perfume Nos ares da solidão… Esta flor é o coração, Aquele verme o ciúme. | |
Manuel Bandeira Nascimento: 19/04/1886, Recife/PE Morte: 13/10/1968 Magnum opus: Libertinagem | |
Vou-me Embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d’água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcaloide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada. | |
Marina Colasanti Nascimento: 26/09/1937, Asmara, África Oriental Italiana Magnum opus: Passageira em Trânsito | |
Outras palavras Para dizer certas coisas são precisas palavras outras novas palavras nunca ditas antes ou nunca antes postas lado a lado. São precisas palavras que inventaram seu percurso e cantam sobre a língua. Para dizer certas coisas são precisas palavras que amanhecem. | |
Mario Quintana Nascimento: 30/07/1906, Alegrete/RS Morte: 05/05/1994 Magnum opus: O Batalhão das Letras | |
Do amoroso esquecimento Eu agora — que desfecho! Já nem penso mais em ti… Mas será que nunca deixo De lembrar que te esqueci? | |
Miriam Alves Nascimento: 1952, São Paulo/SP Magnum opus: Estrelas no dedo | |
Gotas Mesmo que eu não saiba falar a língua dos anjos e dos homens a chuva e o vento purificam a terra Mesmo que eu não saiba falar a língua dos anjos e dos homens Orixás iluminam e refletem-me derramando gotas iluminadas de Axé no meu Ori | |
Oswald de Andrade Nascimento: 11/01/1890, São Paulo/SP Morte: 22/10/1954 Magnum opus: Marco Zero | |
Pronominais Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro | |
Paulo Leminski Nascimento: 24/04/1944, Curitiba/PR Morte: 07/06/1989 Magnum opus: Distraídos Venceremos | |
Já disse Já disse de nós. Já disse de mim. Já disse do mundo. Já disse agora, eu que já disse nunca. Todo mundo sabe, eu já disse muito. Tenho a impressão que já disse tudo. E tudo foi tão de repente… | |
Solano Trindade Nascimento: 24/07/1908, Recife/PE Morte: 19/02/1974 Magnum opus: Poemas de Uma Vida Simples | |
Gravata colorida Quando eu tiver bastante pão para meus filhos para minha amada pros meus amigos e pros meus vizinhos quando eu tiver livros para ler então eu comprarei uma gravata colorida larga bonita e darei um laço perfeito e ficarei mostrando a minha gravata colorida a todos os que gostam de gente engravatada… | |
Vinicius de Moraes Nascimento:19/10/1913, Rio de Janeiro/RJ Morte: 09/07/1980 Magnum opus: Poemas, sonetos e baladas | |
Soneto de fidelidade De tudo ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em seu louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. | |
William Shakespeare Nascimento:23/04/1564, Stratford-upon-Avon, Inglaterra Morte: 23/04/1616 Magnum opus: Hamlet | |
Soneto 53 De que substância foste modelado, Se com mil vultos o teu vulto medes? Tantas sombras difundes, enfeixado Num ser que as prende, e a todas sobre excedes; Adônis mesmo segue o teu modelo Em vã, esmaecida imitação; A face helênica onde pousa o belo Ganhou em ti maior coloração; A primavera é cópia desta forma, A plenitude és tu, em que consiste O ver que toda graça se transforma No teu reflexo em tudo quanto existe: Qualquer beleza externa te revela Que a alma fiel em ti acha mais bela. |
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