Física de Aristóteles: Livro 1 e 2

Seleções da Física de Aristóteles (livro I, parte 7; livro II, partes 1, 3, 7, 8; livro VIII, partes 1, 5-6):

Livro 1, Parte 7

Vamos agora dar nossa própria conta, abordando a questão primeiro com referência a tornar-se em seu sentido mais amplo: pois estaremos seguindo a ordem natural da investigação se falarmos primeiro de características comuns e depois investigarmos as características de casos especiais.

Dizemos que uma coisa vem de outra coisa, e um tipo de coisa de outro tipo de coisa, tanto no caso de coisas simples quanto complexas. Eu quero dizer o seguinte. Podemos dizer

(1) ‘o homem se torna musical’,

(2) o que é ‘o não-musical se torna musical’ ou

(3), o ‘homem não-musical se torna um homem musical’. 

Agora, o que se torna em (1) e (2) – ‘homem’ e ‘não musical’ – chamo de simples, e o que cada um se torna ‘musical’ – também simples. 

Mas quando (3) dizemos que o “homem não musical se torna um homem musical”, tanto o que se torna quanto o que se torna são complexos.

No que diz respeito a uma dessas simples “coisas que se tornam”, dizemos não apenas “isso se torna mais ou menos”, mas também “por ser isso, passa a ser mais ou menos”, como “por não ser musical ser musical ‘; em relação ao outro, não dizemos isso em todos os casos, pois não dizemos

(1) ‘por ser homem, ele veio a ser musical’, mas apenas ‘o homem se tornou musical’.

Quando se diz que uma coisa “simples” se torna algo, em um caso

(1) sobrevive ao longo do processo, no outro

(2) não. 

Pois o homem continua sendo um homem e é tal mesmo quando se torna musical, enquanto o que não é musical ou não musical não continua a existir, simplesmente ou combinado com o sujeito.

Essas distinções traçadas podem ser obtidas através do levantamento dos vários casos de devir da maneira como descrevemos que, como dizemos, sempre deve haver algo subjacente, a saber, o que se torna e que, embora sempre seja numericamente, na forma pelo menos não é um. (Com isso, quero dizer que pode ser descrito de diferentes maneiras.)

‘Ser homem’ não é o mesmo que ‘Ser não musical’. Uma parte sobrevive, a outra não: o que não é o oposto sobrevive (pois ‘homem’ sobrevive), mas ‘não musical’ ou ‘não musical’ não sobrevive, nem o composto das duas, a saber, ‘homem não musical’. .

Falamos de ‘tornar-se isso disso’ em vez de ‘tornar-se aquilo’ mais no caso do que não sobrevive à mudança – ‘tornar-se musical do não-musical’, não ‘do homem’ -, mas há exceções, como costumamos usar a última forma de expressão, mesmo do que sobrevive; falamos de “uma estátua que vem de bronze”, não do “bronze que se torna uma estátua”. 

A mudança, no entanto, de um oposto que não sobrevive é descrita de maneira indiferente nos dois sentidos, ‘tornando-se disso’ ou ‘tornando-se aquilo’. Dizemos tanto que ‘o não musical se torna musical’ e que ‘do não musical ele se torna musical’. E assim as duas formas são usadas para o complexo, ‘tornar-se um homem musical de um homem não musical’, e homem não-musical tornar-se um homem musical ‘.

Mas existem diferentes sentidos de ‘vir a ser’. Em alguns casos, não usamos a expressão ‘vir a ser’, mas ‘vir a ser assim’. Diz-se que apenas substâncias “vieram a ser” no sentido não qualificado.

Agora, em todos os casos, exceto a substância, é claro que deve haver algum assunto, a saber, aquilo que se torna. Pois sabemos que quando uma coisa chega a ser de tal quantidade ou qualidade ou em tal relação, tempo ou lugar, um sujeito é sempre pressuposto, uma vez que a substância por si só não é predicada de outro sujeito, mas todo o resto de substância.

Mas essas substâncias também, e qualquer outra coisa que possa ser considerada “sem qualificação”, proveniente de algum substrato, aparecerão em exame. Pois encontramos em todos os casos algo subjacente a partir do qual procede o que vem a ser; por exemplo, animais e plantas a partir de sementes.

Geralmente, as coisas que acontecem acontecem de maneiras diferentes: (1) por mudança de forma, como uma estátua; (2) por adição, como coisas que crescem; (3) tirando, como os Hermes da pedra; (4) reunindo, como uma casa; (5) por alteração, como coisas que “se voltam” em relação à sua substância material.

É claro que esses são todos os casos de surgir de um substrato.

Assim, claramente, pelo que foi dito, o que quer que venha a ser é sempre complexo. Por um lado, existe

(a) algo que passa a existir, e novamente

(b) algo que se torna isso – o último (b) em dois sentidos, seja o sujeito ou o oposto. 

Por “oposto”, quero dizer “não musical”, pelo “sujeito” “homem”, e da mesma forma chamo a ausência de forma ou forma ou ordem de “oposto”, e o bronze ou pedra ou ouro o “sujeito”.

Claramente, então, se existem condições e princípios que constituem objetos naturais e dos quais eles são ou vieram a existir – vieram a existir, quero dizer, o que cada um é dito em sua natureza essencial, não o que cada um é em respeito de um atributo concomitante – digo claramente, tudo passa a ser do sujeito e da forma. Pois ‘homem musical’ é composto (de certa forma) de ‘homem’ e ‘musical’: você pode analisá-lo nas definições de seus elementos. É claro, então, que o que acontecerá acontecerá a partir desses elementos.

Agora, o assunto é um numericamente, embora seja dois em forma. (Pois é o homem, o ouro – a ‘matéria’ em geral – que é contada), pois é mais da natureza de um ‘isto’, e o que vem a ser não vem dele em virtude de um atributo concomitante; a privação, por outro lado, e o contrário são incidentais no processo.) E a forma positiva é uma: a ordem, a arte adquirida da música ou qualquer predicado semelhante.

Há um sentido, portanto, em que devemos declarar os princípios como dois, e um sentido em que eles são três; um sentido em que os contrários são os princípios – digamos, por exemplo, o musical e o não musical, o quente e o frio, o afinado e o desafinado – e um sentido em que não são, pois é impossível que os contrários sejam agidos por um pelo outro. Mas essa dificuldade também é resolvida pelo fato de o substrato ser diferente dos contrários, pois não é o contrário. Os princípios, portanto, não são, de certo modo, mais numerosos do que os contrários, mas como se fossem dois, nem precisamente dois, pois há uma diferença de natureza essencial, mas três. Pois ‘ser homem’ é diferente de ‘ser não musical’ e ‘ser não formado’ de ‘ser bronze’.

Afirmamos agora o número de princípios dos objetos naturais sujeitos à geração e como esse número é alcançado: e é claro que deve haver um substrato para os contrários e que os contrários devem ser dois. (No entanto, de outra maneira, não é necessário, pois um dos contrários servirá para efetuar a mudança por sua ausência e presença sucessivas.)

A natureza subjacente é um objeto de conhecimento científico, por analogia. Pois, como o bronze é para a estátua, a madeira para a cama, ou a matéria e o sem forma antes de receber forma para qualquer coisa que tenha forma, o mesmo ocorre com a natureza subjacente à substância, isto é, o “isto” ou existente.

Este é então um princípio (embora não seja um ou exista no mesmo sentido que o ‘isto’), e a definição era uma como concordamos; depois, há o contrário, a privação. Em que sentido esses são dois, e em que sentido mais, foi afirmado acima. Resumidamente, explicamos primeiro que apenas os contrários eram princípios, e depois que um substrato era indispensável e que os princípios eram três; nossa última afirmação elucidou a diferença entre os contrários, a relação mútua dos princípios e a natureza do substrato. Ainda não está claro se a forma ou o substrato é a natureza essencial de um objeto físico. Mas que os princípios são três, e em que sentido, e a maneira pela qual cada um é um princípio, é claro.

Tanto é o caso da questão do número e da natureza dos princípios.

Livro 2, Parte 1

Das coisas que existem, algumas existem por natureza, outras por outras causas.

“Por natureza” os animais e suas partes existem, e as plantas e os corpos simples (terra, fogo, ar, água) – pois dizemos que esses e outros semelhantes existem “por natureza”.

Todas as coisas mencionadas apresentam uma característica na qual diferem das coisas que não são constituídas pela natureza. Cada um deles possui em si um princípio de movimento e de estacionariedade (em relação ao local, ao crescimento e à diminuição, ou à maneira de alteração). Por outro lado, uma cama, um casaco e qualquer outra coisa desse tipo, para receber essas designações, isto é, na medida em que são produtos da arte, não têm um impulso inato de mudar. Mas, na medida em que são compostos de pedra, terra ou mistura dos dois, eles têm esse impulso, e exatamente na medida em que parece indicar que a natureza é uma fonte ou causa de movimento e de estar em repouso naquilo a que pertence principalmente, em virtude de si mesmo e não em virtude de um atributo concomitante.

Digo ‘não em virtude de um atributo concomitante’, porque (por exemplo) um homem que é médico pode se curar. No entanto, não é na medida em que ele é um paciente que ele possui a arte da medicina: apenas aconteceu que o mesmo homem é médico e paciente – e é por isso que esses atributos nem sempre são encontrados juntos. O mesmo acontece com todos os outros produtos artificiais. Nenhum deles tem em si a fonte de sua própria produção. Mas enquanto em alguns casos (por exemplo, casas e outros produtos do trabalho manual) esse princípio está em algo mais externo à coisa, em outros aqueles que podem causar uma mudança em si mesmos em virtude de um atributo concomitante – estão nas coisas eles mesmos (mas não em virtude do que são).

‘Natureza’ é então o que foi afirmado. As coisas “têm uma natureza”, que têm um princípio desse tipo. Cada um deles é uma substância; pois é um sujeito, e a natureza sempre implica um sujeito no qual ela se insere.

O termo “de acordo com a natureza” é aplicado a todas essas coisas e também aos atributos que lhes pertencem em virtude do que são, por exemplo, a propriedade do fogo a ser transportada para cima – o que não é uma “natureza” nem uma natureza ‘mas é’ por natureza ‘ou’ de acordo com a natureza ‘.

O que é a natureza, então, e o significado dos termos “por natureza” e “de acordo com a natureza” foi declarado. Que a natureza existe, seria absurdo tentar provar; pois é óbvio que existem muitas coisas desse tipo, e provar o que é óbvio pelo que não é é a marca de um homem que é incapaz de distinguir o que é auto-evidente do que não é. (Esse estado de espírito é claramente possível. Um homem cego de nascença pode raciocinar sobre cores. Presumivelmente, portanto, essas pessoas devem estar falando de palavras sem nenhum pensamento para corresponder.)

Alguns identificam a natureza ou substância de um objeto natural com aquele constituinte imediato que, por si só, não possui arranjo; por exemplo, a madeira é a “natureza” da cama e o bronze a “natureza” da estátua.

Como indicação deste Antífono, destaca que se você plantasse uma cama e a madeira podre adquirisse o poder de enviar uma brotação, não seria uma cama que surgiria, mas madeira – o que mostra que o arranjo de acordo com o as regras da arte são meramente um atributo incidental, enquanto a natureza real é a outra, que, além disso, persiste continuamente através do processo de fabricação.

Mas se o material de cada um desses objetos tem a mesma relação com outra coisa, digamos bronze (ou ouro) com água, ossos (ou madeira) com a terra e assim por diante, que (dizem) seriam sua natureza e essência. Consequentemente, alguns afirmam que a terra, outros o fogo, o ar, a água ou alguns ou todos esses, são a natureza das coisas que são. Para o que quer que qualquer um deles supostamente possua esse caráter – seja uma coisa ou mais de uma coisa – isto ou estas ele declarou ser o todo da substância, sendo todo o resto seus afetos, estados ou disposições. Tudo o que eles consideravam eterno (pois não podia passar para mais nada), mas outras coisas surgiam e deixavam de ser tempos sem número.

Esse é, então, um relato da “natureza”, a saber, que é o substrato material imediato das coisas que possui em si um princípio de movimento ou mudança.

Outra explicação é que “natureza” é a forma ou forma especificada na definição da coisa.

Pois a palavra “natureza” é aplicada ao que é de acordo com a natureza e o natural da mesma maneira que “arte” é aplicada ao que é artístico ou obra de arte. No último caso, não devemos dizer que existe algo artístico sobre uma coisa, se for apenas uma cama potencialmente, ainda não tendo a forma de uma cama; nem devemos chamá-lo de obra de arte. O mesmo se aplica aos compostos naturais. O que é potencialmente carne ou osso ainda não tem sua própria “natureza” e não existe até receber a forma especificada na definição, que denominamos ao definir o que é carne ou osso. Assim, no segundo sentido de “natureza”, seria a forma ou a forma (não separável, exceto na afirmação) de coisas que têm em si uma fonte de movimento. (A combinação dos dois, por exemplo, o homem, não é ‘natureza’, mas ‘por natureza’ ou ‘

A forma é de fato “natureza” e não o assunto; pois uma coisa é mais apropriadamente dita como é quando alcançou a satisfação do que quando existe potencialmente. Novamente, o homem nasce do homem, mas não a cama da cama. É por isso que as pessoas dizem que a figura não é a natureza de uma cama, mas a madeira é – se a cama não germinar, mas a madeira surgiria. Mas, mesmo que a figura seja arte, então, no mesmo princípio, a forma do homem é sua natureza. Pois o homem nasce do homem.

Também falamos da natureza de uma coisa como exibida no processo de crescimento pelo qual sua natureza é alcançada. A “natureza”, nesse sentido, não é como “medicar”, o que leva não à arte de medicar, mas à saúde. O médico deve começar a partir da arte, não levar a ela. Mas não é assim que a natureza (em um sentido) se relaciona com a natureza (no outro). O que cresce enquanto cresce cresce de algo para algo. Em que, então, cresce? Não naquilo de que surgiu, mas naquilo a que tende. A forma então é a natureza.

“Forma” e “natureza”, deve-se acrescentar, estão em dois sentidos. Pois a privação também está de certa forma. Mas, se na existência desqualificada existe privação, isto é, ao contrário do que acontece, devemos considerar mais tarde.

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