Capítulo IX – Pelicano e a mulata
Do Paço a sua residência o homem misterioso contava a historia daquele local sob forte influência da maçonaria bruzudanguense. Da origem ao desordenamento urbano, à cidade fruto de contrato lusitano de vassalagem entre famílias bastadas e a coroa portuguesa adotou numeração cardinal nas ruas e avenidas, quarteirões quadrados, medidos com passos senhoris e suor afro.
Tudo seguia bem, minimamente controlado, desde a nomeação dos representantes do clero, a chegada de novas famílias advindas da capital da sesmaria rumo ao sertão do morro azul.
“Depois que jogaram os pretos a própria sorte, a coisa começou a perder a mão…” dizia o espanhol.
Pois bem, senhores. Wilson seguiu o pequeno homem até um casarão defronte a loja do Grande Oriente Brasil. Ali, se reuniam os pastoris senhores europetizados [ assim como fizera com os cafuzos décadas atrás] que tentavam retomar, pelas mãos, o controle da política daquele país.
Em frente a linda residência, um veículo aguardava-os.
– Precisamos ir, disse Pedro.
– O trigésimo terceiro nos aguarda no conselho supremo em Sorocaba, bradou.
Wilson, sem raciocinar, seguiu o homem que conhecera a poucos minutos, sem desconfiar. Ele queria as planilhas, levá-las a capital e receber a quantia combinada.
Dentro do veículo importado, preto, com estofados de couro, Wilson começou a perceber a muralha social arregimentada entre os que decidem o futuro e os que apenas vivem. Percebeu, mas não entendeu.
Chegando aquela cidade, adentraram o prédio azul, com uma grande escultura de gesso onde um pelicano derramava sangue pelos seus filhotes em cima da grande porta de madeira maciça, talvez um portal entre o mundo real e o imaginário.
Obvio que Wilson, não discerniu que se tratava de um pelicano. Na Bruzundanga, qualquer caboclo alegaria se tratar de uma garça ou galinha remoendo a carniça.
– Entre os alquimistas, o Pelicano foi um utensílio que utilizaram para suas operações, e um símbolo. Tratava-se de um alambique de vidro circular, de uma só peça, com o bojo encimado por um capitel tubulado, do qual partiam dois tubos opostos e encurvados, formando asa. Estes tubos voltavam a entrar lateralmente no bojo, de modo que o líquido destilado recaía constantemente dentro dele. Não se sabe bem se o nome de Pelicano foi aplicado pelos alquimistas ao aparelho por causa de sua forma que se parecia com esta ave, ou pela função do aparelho, destinado a alimentar constantemente e manter a vida, com o produto de suas entranhas, o “franguinho” do alquimista, ou seja, a “obra” que ele procurava realizar, explicou Pedro.
Wilson, sem entender nada, pela segunda vez, voltou o olhar para a mulata que desfilava na calçada portuguesa em área lindeira ao palácio franco-burguês.
– Que delícia, festejou o marginal.
A grande porta se abriu às 3h57. Pedro adentrou o recinto, Wilson o seguiu…
****